Violência massifica indústria anti-seqüestro

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Por Agencia Estado
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A explosão de casos de seqüestros-relâmpago começa a provocar uma corrida da polícia e das autoridades para conter este tipo de crime e já deu origem a um novo ramo da indústria anti-seqüestro, que volta-se agora ao cidadão comum. Só em São Paulo foram registrados 1.896 casos no ano passado, mais de cinco por dia, além de outros tantos que não passam pelas delegacias e escapam às estatísticas oficiais. Mais de 90% dos seqüestros-relâmpago registrados em São Paulo foram realizados para obrigar as vítimas a fazerem saques em dinheiro nos caixas eletrônicos de bancos. Na Câmara Municipal de São Paulo, o projeto do vereador Toninho Paiva (PL) tenta reavivar uma lei aprovada em 1995 e que, segundo ele, continua a não ser cumprida. A lei obriga ?estabelecimentos bancários com caixas eletrônicos a manterem diuturnamente corpos de segurança para proteção dos usuários.? Mas para o vereador ?é letra morta?. A polícia reconhece que o reforço da segurança em caixas eletrônicos de bancos não é suficiente para conter a nova onda de seqüestros-relâmpago. ?Eles acontecem nas ruas, nos faróis e nos estacionamentos dos grandes centros de compra?, diz Robson Feitosa, chefe do grupo de investigações especiais do Departamento de Homicídios e Proteção a Pessoa (DHPP) da Polícia Civil de São Paulo. ?Depois de seqüestradas é que as vítimas são levadas para os caixas eletrônicos?. A Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban), afirmou na última quinta-feira, por intermédio de sua assessoria de imprensa, que este é um ?problema de segurança pública?. ?As agências mantêm seguranças, mas não há como saber se o cidadão que está fazendo o saque é vítima de seqüestro ou não?, afirmou a assessoria. Uma das principais academias brasileiras de treinamento anti-seqüestro para executivos, a Uzil Internacional, dirigida em São Paulo pelo ex-instrutor de ações anti-terror e anti-seqüestro do exército israelense, Eli Rahamim, inaugurou este ano um curso especial de um dia voltado para o que eles chamam de ?pessoas comuns?. Rahamim diz que o curso foi idealizado para ensinar usuários de cartões eletrônicos, vítimas potenciais de seqüestros-relâmpago, a identificarem prováveis seqüestradores antes do ataque e a se protegerem deles em situações do dia-a-dia. ?No trânsito, durante as compras, na hora de entrar no carro em estacionamentos ou de chegar em casa; para todos estes momentos existem procedimentos que devem ser seguidos como uma rotina?, aconselha Rahamim. A cara do bandido A proliferação dos seqüestros-relâmpago provoca também uma corrida para definir o perfil dos autores deste tipo de crime. Bruno Paes Manso investigou a criminalidade na periferia de São Paulo para o Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial e concluiu que os autores dos seqüestros-relâmpago integram o que ele chama ?de mão-de-obra barata e desqualificada que trabalha para o crime organizado?. São ?ladrões autônomos? e agem de acordo com as oportunidades que aparecem. Manso relata, em uma das entrevistas com criminosos que colheu para realizar seu trabalho, a descrição do ?ladrão autônomo? feita por um matador profissional da periferia de São Paulo: "É como o feirante que trabalha com frutas diferentes em cada estação do ano. Época de melancia, se trabalha com melancia. De laranja, com laranja. Dependendo da época, conforme a polícia esteja em cima ou existam mercadorias dando sopa, é melhor roubar cargas, intermediar venda de armas ou seqüestrar em caixa eletrônico." Feitosa, do DHPP de São Paulo, afirma que os seqüestros-relâmpago se transformaram na ?bola da vez? da baixa criminalidade. A causa, suspeita ele, é a proliferação dos caixas eletrônicos de bancos e das operações com cartões, generalizadas hoje em todas as classes sociais. ?Mas a facilidade que os bandidos encontraram para executar ações deste tipo fizeram com que surgissem até quadrilhas especializadas?, avalia ele. A notoriedade dos seqüestros-relâmpago já mexe com os brios da bandidagem. No livro ?Letras da Liberdade? (Editora Madras), com textos que detentos do Carandiru escreveram incentivados pelo médico Drauzio Varela, um dos autores chama para si o que ele considera ?o mérito? de ter introduzido o seqüestro-relâmpago em São Paulo. Ele é identificado por Nikita, está condenado a 98 anos de prisão por vários crimes, entre eles assaltos a mão armada em caixas eletrônicos realizados há mais de dez anos. A notoriedade dos seqüestros-relâmpago também já chegou à web. O site namoro.na-web.terra apresenta o seqüestro-relâmpago como a primeira de uma longa lista de desculpas que podem ser utilizada para escapar da fúria de namoradas ciumentas. ?Você mal pode falar a respeito, está traumatizado. Aqueles bandidos miseráveis o arrastaram durante horas trancado no porta-malas. E usaram o seu cartão de crédito para pagar a conta do motel!?, sugere o site. Atitudes do assaltante denunciam o crime O instrutor anti-seqüestro Eli Rahamim garante que uma pessoa treinada tem condições de identificar e impedir, em 95% dos casos, uma ação de assaltantes antes que ela aconteça. Há um grupo de atitudes que, de acordo com ele, denunciam 100% dos assaltantes. ?Eles têm as mãos trêmulas, respiração pesada, ficam nervosos, apresentam movimento rápido dos olhos para vigiar todas as direções e olham insistentemente para o relógio?, diz ele. ?Uma destas atitudes o assaltante vai mostrar, invariavelmente, antes da abordagem.? O segredo, afirma ele, é treinar os olhos para antecipar e fugir do ataque. ?Confronto, em hipótese nenhuma?, adverte. ?Para enfrentar bandido, só agentes especializados.? O perfil dos autores dos seqüestros-relâmpago também muda a atitude que a vítima deve adotar. O contador Ivo Della Torre sentiu na pele o problema. Ele foi vítima, no início do ano, de um seqüestro-relâmpago com os componentes típicos da maioria das ocorrências registradas em São Paulo. Foi pego quando chegava em casa, pouco depois das 18 horas, com o sol alto em pleno horário de verão. Depois de rodar alguns minutos, os seqüestradores o colocaram no porta-malas. ?Um deles disse, com toda a tranqüilidade do mundo, que assim seria melhor para os dois: eu não veria o rosto deles e eles não veriam meu nervosismo, que poderia atrapalhar tudo?, lembra. Torre entregou a senha dos cartões de banco, ficou dentro do porta-malas por quase uma hora enquanto os seqüestradores passavam por caixas eletrônicos. No final, eles abaixaram os bancos traseiros para que Torre pudesse sair do porta-malas e o deixaram com o carro, na entrada de uma favela às margens da rodovia Fernão Dias. ?Agiram com absoluto profissionalismo?, avalia. Mas as histórias nem sempre acabam bem. ?Quando os seqüestradores são inexperientes e nervosos, o seqüestrado tem que ter tranqüilidade suficiente para comandar a situação?, avalia Rahamim. O estudante de economia Tiago Franco Ribeiro, aluno da primeira turma do curso anti-seqüestro, afirma que mudou detalhes básicos na sua maneira de trafegar de carro, de caminhar a pé por ruas pouco movimentadas ou de chegar ou sair da garagem do prédio onde mora. ?O segredo é estar sempre atento e ter planejada uma rota de fuga em qualquer situação?, conclui ele.

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