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Vítima não reconhece réu. E ele é condenado

Porteiro, que alega inocência, terá de ficar três anos preso

Por Laura Diniz
Atualização:

O porteiro Robson Nunes, de 28 anos, está preso há quase seis meses e já teve dois pedidos de liberdade negados pela Justiça. Ele foi condenado, no dia 20 de agosto, a três anos de prisão em regime fechado por tentativa de assalto. Seria uma história banal, das tantas que lotam as prateleiras dos cartórios dos fóruns brasileiros, não fosse o fato de que a vítima não o reconhece como autor do crime. Nunes insiste que é inocente desde que foi preso. Nunes conta que voltava do trabalho por volta de 19h30 do dia 8 de março deste ano, quando foi parado e detido por policiais militares. O vigia Cesar Oliveira Santana foi levado ao local por uma viatura. Ele havia sido vítima, minutos antes, de uma tentativa de roubo à mão armada por parte de dois homens - um deles usava bermuda vermelha, assim como o porteiro. Santana declarou à polícia que os dois bandidos portavam armas. Nada foi encontrado com Nunes - e ele estava sozinho. De dentro da viatura, questionado por PMs, Santana disse ter reconhecido o porteiro. Diante da juíza Maria Priscilla Ernandes Veiga Oliveira, Santana disse que não foi Nunes o homem que tentou assaltar a empresa onde trabalha. "(O porteiro reconhecido na viatura) é a mesma pessoa que mostrei para o senhor hoje, o senhor não consegue reconhecer por quê?", perguntou a juíza ao vigia. "Não é ele, não é essa pessoa que vi aí." "Na viatura estava tumultuado, escuro?", indagou Maria Priscilla. "Tumultuado e um pouco escuro." "Não conseguiu ver direito na viatura?", insistiu a juíza. "Não consegui ver direito." A declaração de Santana contradiz o auto de reconhecimento de pessoa, lavrado pela polícia no dia em que Nunes foi preso. No documento, está escrito que Nunes foi reconhecido "em local onde se encontravam várias pessoas, e entre elas o preso". Nada foi suficiente para livrá-lo da cadeia. Na primeira negativa de liberdade, Maria Priscilla justificou haver indícios suficientes de ter sido Nunes o autor do crime. Na segunda, o desembargador Eduardo Antônio di Rissio Barbosa afirmou que não havia circunstâncias que autorizassem a liberação do porteiro. Na sentença, a juíza disse que a vítima não reconheceu Nunes no Fórum porque teve medo - a afirmação foi feita com base em sua observação, já que nada foi dito pela vítima. O último recurso foi protocolado pelo defensor público Adenor Ferreira da Silva, que soube do caso por meio de amigos e se solidarizou. "Sinto um desalento total. Vivemos ainda na pré-história. Não há civilização." Os bons antecedentes, o trabalho fixo e as declarações de boa índole em favor de Nunes não foram considerados. A família de Nunes está desolada. "Ele está inocente no meio daquele monte de homem", lamentou a dona de casa Maria Oliveira Silva, de 55 anos, mãe do rapaz. Segundo ela, o filho trabalha, estuda, é religioso e nunca criou problemas para a família. O pedreiro Augusto Nunes, de 53 anos, pai do porteiro, diz não ter coragem de visitá-lo na cadeia. "É muito sofrimento." Segundo ele, Nunes voltava do trabalho para fazer um show em um bar perto da casa da família. "O negócio dele só é samba. Ele canta e toca." A juíza e o desembargador foram procurados, mas não atenderam aos pedidos de entrevista da reportagem.

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