Após CPI, milicianos reocupam o Rio

Primeiro e segundo escalões foram presos e agora estão voltando às ruas; mortes recentes creditadas ao bando expõem ousadia do esquema

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Por Roberta Pennafort
Atualização:

RIO - Passados dez anos da CPI das Milícias da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro – que indiciou mais de 200 pessoas –, esses grupos paramilitares ampliaram seu protagonismo no Estado. A investigação parlamentar apontou envolvimento de policiais, agentes penitenciários e bombeiros, além de políticos que os protegiam, e resultou na prisão de alguns dos seus principais chefes. A atividade criminosa, porém, continuou. Agora, esses grupos exibem publicamente a sua força, apesar de o tráfico de drogas dominar as atenções em razão dos constantes tiroteios.

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Segundo o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), que presidiu a CPI e até hoje circula com seguranças armados por causa das frequentes ameaças, as milícias já dominam território maior que o de traficantes. Dez anos depois da comissão, afirma ele, o desafio é monitorar os milicianos que foram presos e estão saindo. “A CPI citou mais de mil nomes, e todo o primeiro e o segundo escalões das milícias foi preso. Agora as pessoas estão saindo – e têm de sair mesmo, ninguém está propondo pena perpétua. Mas evidentemente elas precisam ser monitoradas”, diz o parlamentar.

Há uma semana, milicianos mataram cinco jovens de 16 a 19 anos, com tiros na cabeça, em Maricá, na região metropolitana. Os assassinos gritaram “aqui é milícia, vamos voltar” e fugiram. Trata-se de uma prática comum entre milicianos: aterrorizar a população e, na sequência, cobrar por serviços, como a venda de gás de cozinha em botijões a preços extorsivos, comércio ilegal de sinal de internet e TV a cabo e exploração de agiotagem.

Filmada de um helicóptero de TV na manhã seguinte à chacina, a ação de milicianos em Bateau Mouche e Chacrinha foi outra prova da ousadia. Armados com fuzis e pistolas, eles trocaram tiros com traficantes. Nas imagens, há homens com uniformes iguais ao da PM. A corporação investiga se eram policiais ou criminosos comuns com fardas.

Antes de ser vereadora, Marielle Franco atuou, como assessora parlamentar, na CPI das Milícias da Alerj Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

A execução da vereadora Marielle Franco (PSOL), no dia 14, na região central do Rio, também pode ter sido ação de milicianos, no estilo das máfias. O fato de ela e o motorista terem sido atingidos, apesar dos vidros com escuros, denunciou a perícia do atirador, provavelmente profissional. Antes de ser vereadora, Marielle atuou como assessora parlamentar na CPI.

Expansão. Especialistas ouvidos pelo Estado estimam que as milícias estejam em mais de 200 territórios do Rio. Elas se expandem por bairros da zona norte e oeste da capital e por municípios da região metropolitana e da Baixada Fluminense em direção a Nova Iguaçu e São João de Meriti, e disputam áreas com o tráfico. Na região, já houve casos em que os milicianos desfilaram nas ruas exibindo seus fuzis e metralhadoras.

O delegado Claudio Ferraz, ex-chefe da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas, nomeado em 2007 com o intuito de combater as milícias, lembra que à época esses grupos eram considerados um “mal menor”. Quando começaram a eleger vereadores e deputados, o poder público passou a atuar contra eles. “Hoje não há mais áreas neutras, as milícias entraram em todas. Com o enfraquecimento das UPPs, novos vácuos estão abrindo para elas. Por isso o Rio está pegando fogo”, analisa Ferraz.

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Inicialmente, as milícias eram vistas como grupos que “limpariam” as comunidades dos traficantes e de criminosos sem precisar se preocupar com o respeito às leis. Quando dominaram as localidades, porém, a conversa mudou. “Viraram um bando criminoso comum, fazem atrocidades como o tráfico faz, extorquindo como a máfia dos anos 1950 nos Estados Unidos. Agem à luz do dia, uniformizados. Quem não aceita é punido: eles põem fogo no estabelecimento, destroem cargas, matam”, diz o promotor Jorge Luís Furquim, que investiga milícias há 15 anos.

O sociólogo Ignácio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio (Uerj), denuncia que nada foi feito pelo Estado em relação aos milicianos. “Inventaram as UPPs para recuperar as áreas do tráfico, mas nada para a milícia”, avalia. “Agora, a intervenção federal na segurança também não contemplou esse problema.”

Procurada, a Secretaria de Estado de Segurança afirmou que atua com rigor no combate aos grupos paramilitares. De 2007 a 2017, foram presos 1.377 milicianos, segundo a pasta.