Crivella abre folia, mas evita Rei Momo: 'o carnaval é apenas uma festa'

No segundo ano de mandato, prefeito tenta reverter imagem de anticarnavalesco, mas diz que o 'Rio de Janeiro não é só carnaval'

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Foto do author Marcio Dolzan
Por Marcio Dolzan e Roberta Pennafort
Atualização:

RIO - Depois de muito suspense, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), compareceu na manhã desta sexta-feira, 9, à cerimônia de entrega simbólica da chave da cidade ao Rei Momo, que abre oficialmente o carnaval carioca. Mas evitou passar o símbolo às mãos do monarca: deixou a tarefa para o filho de um ex-funcionário da prefeitura, já morto, ligado aos desfiles das escolas de samba. 

Tradição.Monarca ganha chave todo ano Foto: Fabio Motta/Estadão

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A "passagem de comando" vinha cercada de expectativa porque se trata de um gesto tradicional dos prefeitos. No ano passado, o primeiro de sua gestão, Crivella não apareceu, o que contrariou as escolas. O gesto foi interpretado como sinal de descaso. A animosidade piorou este ano, com a redução de R$ 2 milhões para R$ 1 milhão da verba destinada à preparação dos desfiles por cada agremiação. 

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Bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), que condena a folia, Crivella vem sendo tachado pelas escolas e por foliões de blocos de carnaval de "prefeito anticarnavalesco". Os dirigentes das agremiações o veem como um traidor, uma vez que o apoiaram em sua campanha eleitoral, em 2016. Crivella nega as acusações. Argumenta que a crise econômica reduziu os recursos da prefeitura, obrigando-o a priorizar áreas essências, como a educação, para o recebimento de verbas.

Aconselhado por assessores, o prefeito vem tentando mudar essa imagem, chegando a louvar o carnaval como manifestação popular. Não é tarefa fácil, na análise de pessoas que lhe são próximas. Crivella busca acenar para sua base evangélica conservadora, que desaprova a concessão "aos prazeres da carne", e ao mesmo tempo tenta não desagradar o restante da população.

Nesta sexta, o prefeito fez duas vistorias nas instalações de som e luz da Sapucaí, de manhã e de tarde. Deu novas declarações controversas: disse que "o carnaval é apenas uma festa", não sendo prioritária. Afirmou ainda que "o sonho" da prefeitura é que as escolas sejam financiadas, no futuro, apenas pela iniciativa privada, comparando os desfiles ao Rock in Rio. Garantiu, no entanto, que não tem "qualquer tipo de preconceito contra o carnaval" e declarou que ele próprio é discriminado "desde criança", por causa de sua conversão religiosa. 

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Na visita feita pela manhã, antes da entrega da chave, desdenhou da cerimônia.

"Esse negócio da entrega da chave está virando um dogma religioso. A vida inteira se entregou chave para o Rei Momo. Melhorou a educação? Melhorou a saúde? Se não entregar vai ter crise da dengue? Enchente no verão? Queria saber: me cobram tanto para entregar essa chave, tem uma (sic) relevância?", indagou. 

A vistoria da manhã foi marcada por um pequeno acidente. Um assessor tropeçou e acionou acidentalmente um hidrante, fazendo com que um jato d'água encharcasse a calça do prefeito. Outras pessoas que acompanhavam Crivella também se molharam.

"O pessoal da Rio Águas (órgão vinculado à Prefeitura do Rio responsável pelas redes de água do município) está de parabéns, porque a vazão que colocou no ponto de água, quase me jogou para o alto. Se o bombeiro encostar aí, vai poder apagar incêndio até lá no Catumbi", brincou Crivella, referindo-se ao bairro que fica ao lado da Sapucaí.

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O prefeito reconheceu que o carnaval é importante para a cidade. "Estamos aqui para aplaudir as pessoas, esse esforço extraordinário. A maioria é de pessoas simples e humildes, que admiramos. Agora, na escala de hierarquias, é uma festa apenas", classificou. "Bem representativa desse esforço que todos temos para ressurgir das nossas tragédias. Mas o Rio de Janeiro não é só carnaval, tem suas escolas, hospitais, poluição de rios e lagoas, desemprego imenso, crianças morrendo de bala perdida."

Crivella também reafirmou que este ano a cidade bateu recorde de arrecadação de recursos privados graças a esforços de sua gestão. "Isso faz com que a gente vislumbre no futuro o que é o sonho de todos nós: que o carnaval seja só com recursos privados, como é, por exemplo, o Rock in Rio, que tenha só verbas privadas e grande lucratividade. Essa é a ideia", declarou. 

Ao fim da cerimônia da entrega da chave, de madeira e ornamentada com lantejoulas, no Palácio da Cidade, sede da prefeitura, quem declarou aberto o carnaval foram o presidente da Riotur, Marcelo Alves, e o Rei Momo, Milton Rodrigues, e não Crivella. A entrega foi feita por Sergio de Jesus, filho de José Geraldo de Jesus, o Candonga, que era coordenador dos desfiles e morreu há 20 anos. Pela ligação forte com o carnaval, sua família é guardiã da chave até hoje.

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