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Com medo de violência, cariocas já deixam o Rio

Casos como os de crianças baleadas, e sua repercussão, aumentam sensação de insegurança

Por Roberta Pennafort
Atualização:
Operação na Cidade de Deus. Pesquisador cobra mais planejamento e menos improviso Foto: REUTERS/Ricardo Moraes

Em dezembro de 2014, a pedagoga Natalia Mello, então com 31 anos e aos sete meses de gravidez, foi assaltada na porta de casa, na Tijuca, zona norte do Rio. Ao puxar sua bolsa com força, o ladrão a empurrou no chão, e Natalia caiu sentada. Assustada, fez uma ultrassonografia de emergência para comprovar que nada tinha acontecido ao bebê. “Foi ali que cheguei ao meu limite. Eu já tinha medo de morar no Rio, mas cheguei à conclusão de que não queria criar minha filha naquele desespero. Não era mais a minha vida, mas a dela também”, diz, por telefone, de Friburgo, cidade de 184 mil habitantes da Região Serrana, a 2h30 da capital.

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Lá, ela e Catarina, hoje com 2 anos e meio, têm uma vida serena. Tomam banho na cachoeira que fica perto da nova casa, alugada por um quarto do preço pago no Rio, e dormem com a porta destrancada. A angústia cessou. “Saí do Rio em outubro. Já tinha sido assaltada em ônibus várias vezes, andava com um celular vagabundo, mas nunca imaginei que fosse embora. Sempre curti a cidade”, conta Natalia. “Virar mãe me fez mudar. Agora tenho medo de ir ao Rio até a passeio, porque a Catarina fica no banco de trás, na cadeirinha, e tenho medo de um assaltante levar o carro com ela dentro.”

O recrudescimento da violência urbana é medido não só pelos relatos sobressaltados, mas pelos dados do Instituto de Segurança Pública. Segundo eles, a chamada letalidade violenta (homicídios dolosos, roubos seguidos de morte, lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrentes de ações policial) aumentou 16,32% no período de janeiro a junho deste ano, ante o mesmo período de 2016. Foram 2.942 casos, ou 19 mortes por dia. Em 2016, somaram-se 2.528 registros, 16 por dia. A deterioração dos índices do Estado se seguiu ao período de euforia com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), entre 2008 e 2012, quando as estatísticas melhoraram.

Mais exemplos. Os episódios dramáticos envolvendo crianças, como as meninas Vanessa Santos, de 11 anos, morta a tiros dentro de casa, e Samara Gonçalves, de 14, alvejada na escola, e o bebê Arthur, baleado dentro do útero da mãe, Claudineia dos Santos Melo, só reforçaram o desejo da psicóloga Beatriz Bihari, de 42 anos, de se mudar. A cidade escolhida foi a praiana Cabo Frio, na Região dos Lagos, a 2 horas da capital. “Eu não consigo deixar de pensar que podiam ser minhas filhas (de 8 e 10 anos). Vou embora até o fim do ano. Minha mãe já foi há mais de 20 anos, pelo mesmo motivo.”

Beatriz mora perto do Palácio Guanabara, na zona sul, sede do governo estadual, o que não lhe garante segurança. “No caminho da escola das minhas filhas, já teve perseguição policial e balearam um senhor. As coisas estão insustentáveis, não vão melhorar. Em Cabo Frio, elas vão poder ir para a escola de bicicleta, teremos tranquilidade.”

Os tiroteios em áreas de UPP, como os do fim de junho no Pavão-Pavãozinho, na zona sul, com um morto e cinco feridos, vêm levando à sensação de segurança de volta à estaca zero. Para o coronel Robson Rodrigues, ex-chefe do Estado Maior da Polícia Militar, não se pode trocar o otimismo exagerado dos primeiros anos da UPPs por um pessimismo que ignore avanços - a série histórica da taxa da letalidade por 100 mil habitantes mostra que estamos longe do patamar de 20 anos atrás (50,8) ou mesmo de dez anos (49,7): em 2016, o número foi de 37,6 mortes por 100 mil habitantes.

“A polícia não pode mais trabalhar no improviso. Não podemos demandar de um sistema esgoelado uma operação por dia. Esse descontrole, com pessoas indo embora do Rio, só beneficia criminosos e policiais corruptos”, diz Rodrigues, que também é pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

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