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Corte de Direitos Humanos condena Brasil por não julgar acusados de chacinas no Rio

Os massacres, ocorridos em 1994 e 1995, resultaram na morte de 26 pessoas e no estupro de três adolescentes, de 15, 16 e 19 anos

Por Constança Rezende
Atualização:

RIO - A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro por não julgar os acusados por duas chacinas na Favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, em operações policiais há mais de 20 anos, na década de 1990. Os massacres, ocorridos em 1994 e 1995, resultaram na morte de 26 pessoas e no estupro de três adolescentes, de 15, 16 e 19 anos. Os crimes teriam sido praticados por policiais. 

Chacinas aconteceram na Nova Brasília, no Complexo do Alemão Foto: Fabio Motta/Estadão

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A Corte determinou que as autoridades brasileiras refaçam as investigações sobre os dois casos. A sentença, publicada na sexta-feira, 12, destacou a violência policial como violação de direitos humanos no Brasil, em especial no Rio. Os crimes ocorreram na favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, na zona norte da capital fluminense. Foram marcados por imagens de cadáveres ensanguentados e empilhados, publicadas nos jornais.

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A primeira chacina ocorreu em 18 de outubro de 1994, e foi cometida por policiais civis e militares. Treze jovens, em sua maioria negros, foram mortos, e três jovens foram torturadas e estupradas. No mesmo local, foi realizada nova operação, em 8 de maio de 1995, devido a uma suposta denúncia anônima. Outros 13 jovens também foram mortos por policiais.

A polícia alegou que os mortos foram atingidos em tiroteio, mas testemunhas relataram que os jovens foram mortos quando saíram da casa já rendidos. Alguns foram alvejados na cabeça e peito, por atiradores que estavam em helicópteros. As ações reuniram 120 policiais.

Na época, organizações de direitos humanos afirmaram que autoridades destruíram provas e não realizaram perícias para identificar os autores e o contexto em que ocorreram as mortes. Os policiais que atuaram nas incursões registraram os atos como “autos de resistência”.

Para a diretora do Centro pela Justiça e o Direito Internacional no Brasil (CEJIL), Beatriz Affonso, a decisão é um passo importante para que a Justiça seja feita.

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“Até hoje, não houve o esclarecimento da verdade sobre estes dois casos. Como a decisão vem de um órgão internacional, acho que agora o Estado vai se sentir mais pressionado para solucionar o caso e para que não ocorra mais impunidade em outras ações parecidas. As jovens estupradas têm problemas psicológicos até hoje e foram ouvidas sem nenhum cuidado ou proteção por parte do estado”, disse.

Irmã de um dos jovens que foram mortos, Bruna Fonseca afirmou que a decisão contribuirá para que os moradores de comunidades sejam vistos com outros olhos. “Meu irmão Alex Fonseca foi executado sem nenhum direito de defesa. Essa decisão vai permitir que os policiais entrem com outra atitude nas favelas. O sentimento é que a Justiça está começando a ser feita”, afirmou.

Irmã de outra vítima, Teresa Rosa, disse que seu irmão Róger Rosa, foi acordado e morto por policiais na porta de casa. “Nem na hora do enterro do meu irmão nossa dor foi respeitada. Os policiais entraram armados no cemitério dizendo que procuravam por bandidos. Meu irmão não era traficante e não havia confronto no momento em que ele foi morto”, disse.

Na sentença, a Corte também determinou que uma investigação da chacina de 1994, ainda aberta, seja conduzida de forma eficaz, e que se inicie ou reative a investigação da chacina ocorrida em 1995 e dos estupros. O Estado tem um ano para apresentar para a Corte o resultado de como andam as investigações. Se não o fizer, será chamado a dar explicações.

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Inquérito. O Ministério Público do Estado do Rio informou por nota que já desarquivou o inquérito sobre os crimes de 1995 em outubro de 2012 e a investigação relativa à chacina de 1994 em março de 2013. A iniciativa foi tomada após recomendação anterior da própria Corte Interamericana de Direitos Humanos. Um dos casos está na Justiça, mas o outro foi novamente arquivado.

Em 16 de maio de 2013, o Ministério Público denunciou quatro policiais civis e dois militares pelos 13 homicídios de 1994. Cada um deles foi denunciado 13 vezes pelo crime de homicídio duplamente qualificado. No processo, testemunhas contaram que as vítimas foram algemadas pelos policiais, sofreram golpes e depois foram executadas. O processo tramita no I Tribunal do Júri.

Em 30 de abril de 2015, uma semana antes do prazo final para a prescrição, o Ministério Público arquivou novamente o inquérito sobre a segunda chacina, por falta de provas colhidas à época, informa a nota da instituição. 

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Entre as diligências requisitadas pelo Ministério Público após o desarquivamento estavam o requerimento de laudos, confronto balístico e histórico das armas apreendidas. Também foram requeridos depoimentos de testemunhas e parentes das vítimas. Segundo o MP, não foi possível comprovar a autoria individualizada, nem apontar de quais armas saíram os disparos que causou a morte das vítimas.

"O Ministério Público acompanhou as investigações da Corte Interamericana e forneceu subsídios à Advocacia-Geral da União, que representou o Estado brasileiro nesse processo", informou o MPE no texto.

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