Crise faz Rio montar desfile mais alternativo

Cidades e personagens ainda dominam homenagens, mas agora enredos vêm sem patrocínio; Pelé é um dos mais esperados na Sapucaí

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Por Roberta Pennafort
Atualização:
União da Ilha. Escola tem como tema os Jogos Olímpicos Foto: FABIO MOTTA/ESTADÃO

RIO - Os desfiles das doze escolas de samba do Grupo Especial do Rio começam neste domingo, 7, sob os efeitos da crise econômica. Sem patrocínio de empresas particulares nem de governos de Estados e municípios, as agremiações se valeram dos R$ 6 milhões que arrecadam, cada uma,  de fontes oficiais e privadas. São R$ 2 milhões da prefeitura (o dobro do valor até o ano passado) mais R$ 4 milhões da renda advinda da venda de ingressos e de CDs,  direitos de imagem e festas nas quadras, entre outras origens. Em anos anteriores, as escolas mais “ricas” chegaram a anunciar gastos de R$ 15 milhões. 

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Como mais da metade dos materiais de ornamentação de carros alegóricos e fantasias, como tecidos, plumas, penas e pedrarias, é importada, o dólar alto fez seu custo final subir muito. Isso levou fornecedores a cancelar encomendas, que vêm de países como a China, ou reposições de estoques. Os carnavalescos precisaram reciclar elementos cênicos usados anteriormente e lançaram mão de insumos alternativos. 

Em 2015, a situação já estava apertada, por causa do atraso no repasse do apoio dado pela Petrobrás, R$ 1 milhão por escola (o dinheiro só chegou depois do carnaval) e o cancelamento da ajuda do governo do Estado do Rio, de R$ 500 mil cada. Para esse carnaval, o quadro se agravou. Houve aprofundamento da crise e o consequente enxugamento de gastos das empresas e administrações dos Estados e municípios, aliado à alta do dólar. Em fevereiro de 2015, a moeda americana estava a R$ 2,74; hoje, sai a R$ 3,87.

Na sexta-feira, a despeito de suas adversidades internas, a Petrobrás confirmou ao Estado que manteria o auxílio às escolas para este ano; no entanto, mais uma vez, o aporte seria parcelado. O valor foi reduzido em um quinto: R$ 200 mil por escola. O governo estadual, que vive em penúria desde 2015, vai continuar não dando apoio financeiro às agremiações. 

Destaque desta noite, a Beija-Flor, que ganhou o campeonato passado com a injeção de R$ 5 milhões a R$ 10 milhões do governo ditatorial da Guiné Equatorial, deverá se apresentar menos luxuosa do que de costume. A escola, maior campeã dos anos 2000, com sete campeonatos e cinco vice-campeonatos, em parte graças a investimentos altos em carros alegóricos e fantasias, vai homenagear o Marquês de Sapucaí (1793-1875). Ele foi senador, conselheiro do Império e preceptor de D. Pedro II. Acabou dando nome à pequena rua da região central do Rio que abriga os desfiles desde 1978, antes mesmo da construção do Sambódromo, em 1984.

“Nós reciclamos muito material. Preparamos um carnaval bem tradicional, sem grandes recursos tecnológicos, adequado à realidade do País. Tivemos a tarefa de driblar a crise, usando penas sintéticas, muito mais baratas do que as de faisão, e pastilhas, no lugar das pedras”, contou um dos carnavalescos da comissão da escola, Fran-Sérgio Oliveira. A cidade natal do marquês, Nova Lima (MG), informou que deu apenas “apoio cultural” à escola de Nilópolis.

A Grande Rio, outra potência deste domingo, vai falar da cidade de Santos. Mas afirma não ter recebido patrocínio direto da prefeitura local. A administração municipal santista também nega qualquer repasse, embora tenha encampado o desfile a ponto de antecipar o próprio carnaval para a semana passada. Sem divulgar valores, o diretor de carnaval, Ricardo Fernandes, informou que empresas da cidade que já eram parceiras da Grande Rio estão “apoiando” o desfile. 

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A escola espera cerca de 400 santistas para o desfile, que destacará o Santos Futebol Clube e seus expoentes Pelé e Neymar, cantados no samba. Neymar não poderá ir, pois tem jogo do Barcelona hoje. Pelé é aguardado – o carnavalesco Fábio Ricardo preparou um trono num carro para o “rei do futebol”, mas a presença não é certa.

A noite começa com a Estácio de Sá, que subiu do Grupo de Acesso em 2015 e louva São Jorge. Considerada a primeira escola de samba do Brasil, por ser herdeira da Deixa Falar, fundada em 1928, a Estácio estava na segunda divisão do carnaval carioca havia 18 anos. Sua volta é justamente com o carnavalesco Chico Spinoza. Foi ele que a conduziu, em 1992, ao único campeonato da história da escola no Grupo Especial. 

Spinoza, que divide a tarefa com Amauri Santos e Tarcísio Zanon, vinha trabalhando em escolas de São Paulo. “São Paulo tem a indústria forte, você negocia os produtos diretamente, do ferro, madeira e isopor ao material decorativo. Mas no Rio a cultura do carnaval te ajuda. Eu confio muito no que estou fazendo, mesmo sem patrocínio”, disse o carnavalesco, que assina desfiles desde 1988. 

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Os Jogos Olímpicos do Rio, em agosto, são o enredo da União da Ilha, que fala da “terra onde o sol é mais dourado” e do jeito do carioca de interagir com sua cidade. A escola afirma que não recebeu patrocínio especial da prefeitura do Rio nem de órgãos ligados à organização das competições. O Comitê Rio 2016 autorizou apenas o uso da logomarca da competição. 

Falando sobre o agronegócio, a vida no interior e a cidade de Sorriso (MT), considerada a maior produtora individual de soja do mundo, a Unidos da Tijuca também declarou não ter conseguido verba da cidade. A Mocidade escolheu ir “contra o vento” no enredo sobre Dom Quixote de La Mancha. O personagem de Miguel de Cervantes desafia “moinhos” brasileiros, como a corrupção e as dificuldades nas áreas da saúde e educação.