Estudo diz que governo do Rio passou a 'afrontar' o STF com operações policiais em favelas

Incursões durante a pandemia foram proibidas por decisão do ministro Fachin. Em 2021, média de mortes por agentes do Estado cresceu. Polícia diz que ações foram reduzidas e criminosos se aproveitaram

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Por Caio Sartori
Atualização:

RIO - A operação da Polícia Civil que resultou em 28 mortes no Jacarezinho, zona norte do Rio, há um mês, foi o ápice do que pesquisadores consideram uma afronta do governo do Rio ao Supremo Tribunal Federal (STF). Novo levantamento do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da UFF (Geni/UFF) mostra que as polícias fluminenses mataram, neste ano, mais do que nos meses anteriores à decisão do ministro Edson Fachin, que proibiu operações policiais nas favelas durante a pandemia. 

Moradores realizaram protesto no Jacarezinho após morte de 28 pessoas em operação policial Foto: WILTON JUNIOR / ESTADAO

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A pesquisa avalia que houve três momentos desde que o magistrado atendeu, em junho de 2020, ao pedido do PSB no âmbito da chamada ADPF das Favelas, como ficou conhecida a ação. Quando saiu a decisão liminar, houve um período de razoável obediência, entre junho e outubro; depois, até dezembro, ela passou a ser desobedecida; e, nos primeiros meses de 2021, teria sido afrontada pelo Estado. 

A Polícia Civil informou, por meio de nota, que reduziu as operações durante a pandemia, mas que essa atitude propiciou a expansão das áreas dominadas por grupos criminosos.

Os números coletados ajudam a mostrar esse comportamento das polícias. Entre janeiro e junho de 2020, antes da liminar de Fachin, as médias mensais de operações policiais e de mortos após intervenção policial foram de 32,8 e 133, respectivamente. Nos quatro meses de relativa obediência à decisão, caíram para 18,7 e 37,7. De outubro a dezembro, contudo, os dados subiram para médias de 27 e 90.  

Mas já em janeiro, segundo os pesquisadores, o Estado passou a afrontar abertamente o Supremo. Período caracterizado pelo aumento contínuo nesses números, o início de 2021 já tem média mensal maior que a do período pré-decisão: são 41,7 operações por mês e 134 mortes por agentes policiais.

Crimes contra a vida e contra o patrimônio também oscilaram de acordo com os dados de violência policial - em suma, a redução das mortes por parte de agentes não resultou no aumento de outros crimes, ao contrário.  

"A chacina do Jacarezinho mostra de forma clara como a ineficiência das operações policiais e a brutalidade dessas ações são dois lados de uma mesma moeda”, diz o coordenador do Geni/UFF, Daniel Hirata. “A decisão do STF procurou atuar sobre esses dois problemas, mas agora o que era desobediência se tornou uma afronta à mais alta Corte do País. E, com isso, perdemos inúmeras vidas.”

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Ainda assim, segundo os pesquisadores, pelo menos 288 vidas foram preservadas no ano passado por causa da liminar. 

A comparação com dados nacionais ilustram como a situação do Rio é atípica. Enquanto no País 13% das mortes violentas são cometidas por policiais, o Estado vê uma participação bem maior dos agentes - algo que chegou a ser reduzido pela decisão de Fachin, mas já voltou a crescer. Antes da liminar, o percentual era de 37%; quando ela foi minimamente cumprida, desceu para 17% e se aproximou do padrão nacional; depois, no entanto, elevou-se a 33% e 38% nos períodos de desobediência e afronta, respectivamente. 

Para Daniel Hirata, é preciso combater a “autonomização” das forças policiais, que representa uma ameaça à democracia.

“A afronta à decisão do STF diz respeito não apenas ao gravíssimo problema da letalidade policial e da ineficiência das operações policiais em controlar o crime, mas também a um processo de autonomização das forças policiais do Brasil em geral e do Rio de Janeiro em particular, que ameaça as instituições democráticas”, afirma. “É urgente uma resposta firme que responsabilize as autoridades políticas e policiais”.

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Operações foram reduzidas e crime se aproveitou, diz polícia

Em nota, a Polícia Civil afirmou que “é um equívoco afirmar que houve proibição de operação nas comunidades do Rio de Janeiro”. Segundo a nota, “as polícias reduziram a quantidade de operações durante o início da pandemia, e, infelizmente, as organizações criminosas se aproveitaram para expandir territórios e comprar armamentos com o lucro da venda de drogas”.

Ainda de acordo com a nota, “todas as operações da Polícia Civil são precedidas de investigações devidamente judicializadas, acompanhadas pelo Ministério Público”. Até a publicação desta reportagem a Polícia Militar não havia se pronunciou sobre o estudo.

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