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Exposição do estupro coletivo

O estupro coletivo de uma garota de 16 anos na semana passada em uma comunidade na zona oeste do Rio, fotografado, filmado e amplamente divulgado nas redes sociais, é revelador de uma série de distorções persistentes e inaceitáveis no jeito de pensar e de agir de nossa sociedade.

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Por Jairo Bouer
Atualização:

A primeira crueldade diz respeito ao ato em si: o exercício da violência sexual como forma de afirmação de uma masculinidade capenga, que em pleno século 21, ainda insiste em demonstrar que é dominadora e pode fazer o que bem entende com as mulheres. Pode mesmo? Será que essa força bruta não é, no fundo, mais uma maneira de tentar varrer para baixo do tapete um poder que se sente cada vez mais ameaçado, justamente por que se sabe injusto e anacrônico?

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A segunda distorção é o fato de que, para se gabar dessa suposta “macheza”, entra em um frenesi de compartilhamento de uma mulher, como se ela fosse um mero objeto sexual, buscando excitação não apenas na violência individual, mas no fato de ela ser praticada e dividida pelo grupo. Parece que para os criminosos, tão prazeroso quanto fazer, é ver o que os outros fazem! Repito os dados: de acordo com os relatos, foram 33 homens participando do estupro de uma adolescente, mãe de uma criança de 3 anos, que estava desacordada. 

Por fim, não basta que a maldade seja praticada, ela precisa ser documentada, gravada, postada e compartilhada. Tão importante quanto fazer, é comunicar, “publicizar” o fato para, com isso, obter algum outro tipo de ganho, quer seja a afirmação adicional da suposta “macheza”, a “brotheragem” da objetificação da mulher ou ainda um reforço no demérito da vítima, algo do tipo: “olha só o que a gente faz com esse tipo de garota”.

As versões que corriam até o início de sexta-feira, de acordo com os relatos da garota à polícia, é que a ação pode ter sido um ato de vingança de um parceiro de 19 anos, envolvido com o tráfico. Tanto pior! Se cometer um estupro é uma barbaridade, se dividir esse crime com um bando de “colegas de plantão” é repugnante, praticar essa violência por vingança – por qualquer que tenha sido o motivo nunca haverá uma razão justificável – seria assinar um atestado de monstruosidade.

Em um Brasil que pretende avançar socialmente, o que aconteceu é um retrocesso absurdo. Mais uma vergonha para um País que, às vésperas de receber uma Olimpíada, continua sendo profundamente injusto! O estupro pode acontecer com qualquer mulher, mas é justamente entre as garotas mais novas, mais pobres e negras que essa violência grita de forma mais alta.

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São quase 50 mil casos por ano – um a cada 11 minutos. E isso pode ser apenas a ponta do iceberg, uma vez que muitas vítimas escondem essa violência por vergonha, por se sentirem culpadas ou por receio da reação da família, dos amigos e das autoridades.

A esmagadora maioria dos abusos é cometida por alguém que a vítima conhece. Pesquisa recente mostra que 25% dos homens ainda dizem acreditar que, se a mulher usa roupas provocantes, ela está pedindo para ser atacada. 

Para começar a reverter essa situação, alguns pontos precisam funcionar. Em primeiro lugar, os agressores precisam ser denunciados e punidos. Para isso é fundamental garantir que a voz das mulheres seja ouvida e legitimada nas diferentes esferas de convívio e poder. Em segundo lugar, é imperativo que a educação para a sexualidade seja implementada nas escolas, focando a questão de gênero.

Sem perceber a que sorte de forças e pressões estão submetidos, muitos garotos e garotas continuarão potencialmente seguindo como agressores e vítimas. E para terminar, todos, mas principalmente os homens, têm que entender qual seu lugar no mundo. E certamente não é o da violência, do abuso e da força!

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