PUBLICIDADE

Bando invade hospital da Olimpíada no Rio, resgata traficante e mata 1 paciente

Com fuzis, pistolas e explosivos, ao menos 25 homens retiraram da enfermaria, onde havia outros pacientes, o irmão de um chefe do CV; PM diz que cinco policiais faziam guarda. Para prefeito, ‘há uma certa perda de controle dessa situação’

Por Luciana Nunes Leal
Atualização:

RIO - Pelo menos 25 homens armados de fuzis, pistolas e explosivos invadiram na madrugada deste domingo, 19, o Hospital Municipal Souza Aguiar, no centro do Rio, e resgataram um traficante internado no sexto andar. No tiroteio entre bandidos e um policial militar, Ronaldo Luiz Marriel de Souza, que buscava atendimento, foi baleado e morreu. O PM e um funcionário foram atingidos e estão internados. Maior hospital público do Rio, o Souza Aguiar foi escolhido como referência para emergências na zona norte e no centro durante a Olimpíada. 

Os hospitais de referência são indicados para os espectadores das competições. Em abril, o auditório do Souza Aguiar foi usado pela prefeitura para apresentar a profissionais de saúde e representantes de 21 consulados o plano operacional da Secretaria Municipal da Saúde para os Jogos. 

Após resgate de traficante, esquadrão antibomba rastreou explosivos Foto: Roberto Moreyra/O Globo/

PUBLICIDADE

Os invasores chegaram ao hospital às 3h15 e se dividiram: um grupo ficou no pátio na frente da emergência e outro subiu para o Setor de Ortopedia, pelas escadas. Dois PMs que faziam a escolta do traficante Nicolas Labre Pereira de Jesus, o Fat Family, de 28 anos, foram rendidos. Os bandidos quebraram a algema que prendia o criminoso à cama com um alicate. Na enfermaria, havia mais três pacientes, que não têm envolvimento criminal.

Apontado pela polícia como chefe do tráfico na Favela Santo Amaro, no Catete, zona sul, Fat Family, ao ser preso há uma semana, foi ferido no rosto em tiroteio. Ele é irmão de Marco Antônio Pereira Firmino da Silva, o My Thor, preso na Penitenciária Federal de Catanduvas, no Paraná, e um dos líderes do Comando Vermelho (CV).

A ação criminosa era de conhecimento da cúpula da Secretaria da Segurança desde quinta-feira, quando investigadores da Delegacia de Combate às Drogas captaram em interceptações telefônicas o plano. Segundo a Polícia Civil, a pasta e a PM foram avisadas. A PM informou que não o transferiu porque o hospital alegou que o traficante seria operado hoje. A Secretaria Municipal de Saúde nega. Informou à noite que jamais foi pedida a transferência.

No Souza Aguiar, o tiroteio aconteceu no estacionamento, quando o PM Fábio Ferreira da Silva, de folga, socorria o amigo Ronaldo de Souza, acidentado em uma festa. Silva e os bandidos trocaram tiros. Souza foi atingido no tórax e o PM, em um ombro. Na troca de tiros, foi baleado o técnico em enfermagem Júlio Cesar Basílio. Os bandidos também fizeram disparos dentro do hospital. 

Ação. Testemunhas e policiais disseram que os criminosos usavam toucas ninjas e chegaram ao hospital em quatro motocicletas e cinco carros. Eles renderam o vendedor de uma barraca de doces, conhecido como Índio, e uma recepcionista, levada ao sexto andar. “Índio estava muito nervoso. Quando cheguei, ele só me entregou a barraquinha e foi para a delegacia. Não é a primeira vez que resgatam bandido em hospital. Botam bandido perigoso internado com inocente. Bandido tem mais valor que trabalhador”, disse Ronaldo Batista, de 54 anos, que há dez divide a barraca de doces com Índio.

Publicidade

O técnico em eletricidade Jorge Ferreira, de 59 anos, que estava de madrugada no hospital para acompanhar um amigo acidentado, disse que, ao perceber a chegada da quadrilha, se escondeu na emergência. “Eles diziam: ‘viemos pegar um parceiro’. Chegaram com um objetivo definido”, contou. 

Segundo a polícia, a custódia do traficante resgatado era feita por quatro PMs, mais um quinto no pátio, já como reforço, pois o normal é que haja no máximo dois agentes por preso em hospital. O carro da corporação no pátio foi atingido por uma granada caseira e teve um pneu furado. Em nota, a PM informou que a enfermaria foi isolada. No local, havia várias cápsulas de balas, recolhidas para perícia. No pátio, a polícia encontrou um carro roubado. Até as 20 horas de ontem não havia informação sobre prisões.

Mais tarde, o sucesso no resgate do traficante foi comemorado por bandidos envolvidos na ação. Um áudio que circula nas redes sociais e foi reproduzido pelo Fantástico revela uma troca de mensagens supostamente realizada entre os criminosos envolvidos no crime. "Trouxemos, mané, trouxemos o mano, p... O mano tá na rua com nóis. Nós fomos lá e buscamos. O amigo tá aqui, tá bem, mas tá aqui", diz um deles. 

Os policiais vão investigar as visitas feitas ao traficante desde a última segunda-feira, 13, quando ele foi internado. Mesmo preso, o traficante chegou a usar um telefone celular no hospital.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Honra. Coordenador das Delegacias de Homicídio do Rio, Rivaldo Barbosa disse que os policiais responsáveis pela escolta seguiram o protocolo para ocorrências em hospitais, ao não reagir. “Se reagissem, um mal maior poderia acontecer”, afirmou Barbosa, para quem a apuração da “ação ousada e covarde” é “questão de honra”.

Os investigadores pretendem interrogar parentes e um advogado que visitaram o traficante no hospital. A suspeita é que tenham indicado o local exato onde ele estava internado. “O que causou perplexidade é que os traficantes que aqui estiveram sabiam exatamente onde ele estava.”

O prefeito Eduardo Paes (PMDB) criticou a falta de policiamento e considerou a invasão “assustadora e inaceitável”. “Não dá. Temos nossas unidades de saúde funcionando, temos a obrigação de atender todos os doentes, sejam criminosos ou não. Mas há limites. Precisamos das forças de segurança ajudando. Há uma certa perda de controle dessa situação. Tem de ser mais firme.”

Publicidade

O coronel Luiz Henrique Pires, subchefe operacional da PM, disse que não há como “botar 20, 30 homens a cada informe”. Segundo ele, Fat Família “não poderia estar” no hospital. /COLABOROU MARIANA DURÃO

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.