Metade dos presos por tráfico no Rio acaba absolvida

Pesquisa da Universidade Cândido Mendes leva em conta dados de 2013; segundo estudo, acusação se sustenta por provas frágeis

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Por Fabio Grellet
Atualização:
Dados da pesquisa indicam que acusação de tráfico se sustenta por provas muito frágeis Foto: MARCOS PAULAESTADÃO

RIO - Metade das 1.330 pessoas detidas em flagrante sob acusação de traficar drogas no município do Rio em 2013 ficaram presas durante o processo e, ao final, não foram condenadas à prisão. Ao longo do trâmite policial e judicial, elas ficaram na cadeia por 221 dias (mais de sete meses), em média. Um dos casos mais graves é de um rapaz que ficou 13 meses e 24 dias preso e acabou absolvido.

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Os dados constam de pesquisa feita pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido Mendes, no Rio, por uma equipe liderada pela socióloga Julita Lemgruber, professora da Faculdade de Direito Ibmec, e pela pesquisadora Marcia Fernandes.

Para a socióloga, coordenadora do Cesec, essas prisões são ilegais. "Promotores defendem que são legais. Então, no mínimo, são indevidas", defende Julita. "O essencial é o prejuízo às pessoas, mas houve ainda um custo para o Estado de aproximadamente R$ 8 milhões com essas prisões."

Outros dados da pesquisa indicam que a acusação de tráfico se sustenta por provas muito frágeis. Numa análise detalhada sobre 242 processos, nenhum dos réus foi visto vendendo drogas - todos portavam a substância -, 84,7% estavam em vias públicas, 92,5% não portavam arma de fogo, 85,5% não tinham mais nenhum objeto indicativo de tráfico (como balança ou material para embrulhar a substância), 80,6% eram réus primários, 72,7% estavam sozinhos e 68,6% tinham menos de 50 gramas do entorpecente.

A lei que estipula parâmetros para diferenciar usuário e vendedor de drogas no Brasil não determina uma quantidade a partir da qual o portador seja considerado traficante. Isso gera distorções: em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que uma pessoa com 480 gramas de maconha não poderia, só por essa característica, ser considerada traficante. Em 2013, um juiz do Rio condenou por tráfico um réu preso com 1,9 grama de maconha. No Uruguai, onde o uso de maconha foi autorizado no fim de 2013, uma pessoa pode comprar até 40 gramas da droga por mês para uso próprio.

A lei brasileira estipula que, "para determinar se a droga destina-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais (do acusado)".

Julita afirma que, diante dessas "circunstâncias sociais e pessoais", o julgador age conforme o preconceito que carrega. "As brechas da lei e o preconceito arraigado fazem com que o branco rico seja quase sempre considerado usuário, enquanto o preto, pobre e morador da favela seja sempre acusado por tráfico, mesmo quando flagrado com quantidade menor do que o branco rico. É como se na favela não pudesse haver consumidores de drogas", diz ela.

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Sem dinheiro, a maioria dos presos acusados por tráfico depende da assistência judiciária gratuita, e então começa mais um problema. Durante o registro da acusação na delegacia, 97% deles não tiveram nenhuma assistência - estavam e permaneceram sozinhos. A primeira intervenção de advogado ou defensor público ocorreu em média 50 dias após a instauração do processo.

Quando o defensor indicou testemunhas de defesa, em 77,3% dos casos elas não foram encontradas. Por isso, mais de dois terços dos réus só tiveram testemunhas de acusação - que, em 88,4% dos casos, eram os próprios policiais militares responsáveis pela prisão.

"No Rio, uma decisão do Tribunal de Justiça, a súmula 70, permite que o réu seja condenado com base apenas no depoimento de policiais. Isso vai contra a Constituição e o Código de Processo Penal, mas continua em vigor", afirmou a professora Marcia Fernandes. 

"Derrubar essa súmula é a principal meta da nossa pesquisa. É preciso haver mais elementos além da acusação de um policial para condenar alguém como traficante", defendeu Julita. Mesmo com as falhas da defesa, só 45% dos presos foram condenados à prisão. Outros 22% receberam penas restritivas de direito e 20% foram absolvidos.

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