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O garoto que derrotou a homofobia na TV

André Lodi ficou famoso no País depois de falar com naturalidade sobre sua família homoafetiva

Por Fabio Grellet e RIO
Atualização:

Mãe, eu também quero ter duas mães”, disse Roberto à mãe. Pega de surpresa pelo filho de 4 anos, a mulher respondeu: “Que isso, filho? Ninguém tem duas mães!” Mas a criança retrucou: “O André tem”. Aí a mulher se lembrou do colega de escola do filho e contornou: “Mas ele não tem pai! Mesmo assim você queria ter duas mães?” Só então o garoto, que não queria dispensar o pai, se contentou em ter apenas uma mãe.

A história foi narrada aos risos pela mãe de Roberto a Ana Lucia Lodi, mãe biológica de André Lodi, estudante carioca de 14 anos, filho de uma professora de Educação Física e uma empresária. Ela engravidou após fazer inseminação artificial usando sêmen adquirido em um laboratório americano.

André e a mãe Ana Lucia vivem no Rio; outra mãe e a irmã moram em Niterói Foto: Fábio Motta

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Anos após inspirar colegas em situações inusitadas, André fez sucesso ao participar do programa Altas Horas, exibido pela TV Globo na noite do dia 2. “Quando você realmente percebeu que tinha duas mães, foi um choque?”, perguntou um jovem. André contrapôs: “Quando você percebeu que tinha um pai e uma mãe?” Fez o interlocutor refletir que bebê não classifica a vida em certo ou errado.

“Depois do programa, recebi algumas críticas pelas redes sociais, mas ninguém se referiu ao fato de eu ter duas mães. Disseram que fui arrogante, mal educado. Mas não cometi grosseria. As pessoas com quem conversei acabaram concordando que não sou arrogante. Por causa das duas mães, nunca fui alvo de bullying ou preconceito”, disse André ao Estado.

Ana Lucia, dona de uma agência de turismo e diretora da Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas, tinha 21 anos e já mantivera romances com homens quando descobriu que gostava de mulheres. Tempos depois, estava em um relacionamento. “Comecei a namorar uma mulher por quem era apaixonada e estava muito feliz, mas algo me angustiava. Com dois anos de relacionamento, confessei meu desejo de ser mãe. Ela me apoiou: ‘Mas você pode ser’. Fiquei mais segura e comecei a pesquisar o assunto”, lembrou Ana Lucia. 

Em função de projetos profissionais, Ana Lucia decidiu adiar o sonho. Após pouco mais de dez anos, por iniciativa da companheira, o casamento acabou. “Logo engatei outro namoro, com uma mulher que também queria engravidar. Eu já sabia como fazer, então colocamos em prática.”

Sonho. Elas recorreram a um banco de sêmen nos Estados Unidos. André nasceu em 16 de outubro de 2001, filho de Ana Lucia, então com 36 anos, e da professora Ana Cláudia, com 34. Em 12 de março de 2006, nasceu Anna Laura, gerada por Ana Cláudia, que tinha 38 anos e usou o sêmen do mesmo doador americano. 

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Nove meses após o nascimento da menina, as mães se separaram. Ana Cláudia, de 48 anos, mora em Niterói com a filha. Ana Lucia, aos 50, vive na Tijuca com o filho. A família se encontra todo fim de semana.

André cursa o 9.º ano do ensino fundamental. Inspirado por um tio, chefe da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), planeja cursar Direito. Nunca se interessou em conhecer o pai biológico. Aos 18 anos, poderá enviar um e-mail ao homem, que terá a liberdade de responder ou não. O adolescente não quer – quando foi aos Estados Unidos se limitou a conhecer oito crianças geradas com sêmen do mesmo homem. “Às vezes converso pela internet com eles. É como se fossem primos distantes”, disse o adolescente.

Modelos masculinos não faltam a André: tios, primos, professores e amigos. Questionado sobre eventuais problemas em ter duas mães, ele, torcedor do Botafogo, brinca: “Não tem quem me leve ao estádio”. Mas não passa de provocação: Ana Lucia já levou o filho a seis partidas, quatro do Botafogo e duas da seleção.

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