‘O problema é de segurança nacional’

Uso das Forças Armadas contra violência urbana em operação de 1994 dava mais liberdade a tropas, avalia general

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Por Roberta Jansen
Atualização:

O general Roberto Jugurtha Câmara Senna comandou em 1994 as ações militares da Operação Rio – quando o governo federal intercedeu na segurança do Estado com tropas das Forças Armadas. Atualmente na reserva, o militar de 77 anos comparou, em entrevista ao Estado, a ação de 24 anos atrás com a atual e defendeu maior liberdade de ação para os militares nas comunidades.

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 “Tínhamos, na Operação Rio, muito mais liberdade para operar”, afirmou. “Podíamos reagir aos tiros, nos confrontos, com maior liberdade de ação. Bandido armado que atirasse para cima ou contra a tropa podia ser abatido.” Ele também defendeu os mandados coletivos de busca e apreensão.

Diferentemente da operação atual, a de 1994 não foi chamada de intervenção federal na segurança do Estado. Foi firmado um convênio com o governo (a revelia do então governador Nilo Batista, do PDT) para o uso das Forças Armadas no combate a crimes federais (tráfico de drogas e armas).

Muitas comunidades foram ocupadas na repressão ao narcotráfico, numa ação que durou apenas quatro meses. A médio e longo prazo, no entanto, a operação não apresentou resultados significativos. Câmara Senna responsabiliza o governo estadual da época pelos resultado. Ao Estado, o ex-governador negou ter boicotado a investigação sobre os presos na operação da época. 

Para que a atual operação seja bem sucedida, diz ele, é preciso uma mudança na legislação. “É tudo ou nada”, afirmou, em entrevista por email. “Ou o Estado vence essa batalha ou não sei o que vai acontecer ao nosso país.”

Soldados saindo do Morro da Cachoeira, Lins de Vasconcelos, durante a Operação Rio, em 1994; na época, ação não foi chamada de intervenção. Foto: 09/12/1994 Foto: Rosane Marinho / AE

O senhor coordenou as ações militares no Rio na operação de 1994. Qual era a situação da cidade naquela época?

Naquela época, a criminalidade na cidade do Rio era bem menor do que hoje. Não havia a quantidade de armas de guerra que os traficantes possuem hoje, nem a quantidade de comunidades dominadas por traficantes armados com fuzis. O que levou o governo federal da época (do então presidente Itamar Franco) a intervir foi o grande impacto causado à sociedade quando, pela primeira vez, a polícia do Rio se mostrou incapaz de entrar em algumas áreas de comunidades dominadas pelo tráfico. A PM tinha poucos fuzis e ainda não havia desenvolvido uma tática para atuação em grandes áreas dominadas pelo crime ou para enfrentamentos de maior magnitude. Os governadores do Rio na época, Leonel Brizola e, depois, Nilo Batista, vinham restringindo e até mesmo impedindo a atuação da polícia nas comunidades dominadas para evitar confrontos armados. 

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Na sua avaliação hoje, 24 anos depois, aquela intervenção foi necessária? O que melhorou com a ocupação?

Foi uma medida necessária e oportuna, apoiada pela sociedade, pela imprensa e pelas comunidades. No final de 1993, a população clamava por uma atitude mais radical no combate à violência urbana. Havia a necessidade de dar um “choque de autoridade”, mostrar que o Estado era mais forte que os bandidos. O objetivo era reduzir drasticamente a violência urbana e possibilitar que a polícia entrasse nos territórios dominados pelos traficantes.

Mas a ação não foi chamada de intervenção...

Não havia a palavra intervenção. Não houve nenhum questionamento significativo sobre a legalidade da ação. Lembro que ela marcou o retorno das Forças Armadas às ruas, em operações de combate, depois do período dos governos militares. Dois anos antes, as Forças Armadas tinham sido empregadas na segurança da ECO-92 e eu fui o coordenador de segurança na área do Riocentro. Mas foi uma operação de segurança de grandes eventos, não de combate ao crime.

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O senhor acha que a situação da cidade melhorou após a operação?

Posso afirmar com segurança que sim, porém por um tempo limitado. Controlávamos a eficácia da operação por intermédio de dois principais indicadores de desempenho: um era a quantidade de bandidos capturados em cada operação e os índices eram de, em média, de 65% a 75% dos nomes fornecidos pela inteligência; o outro indicador era o nível de satisfação da população com a operação, que era publicado quase que diariamente pelos jornais, e esse índice variava entre 70% e 75%.  Mas, pela grande quantidade de bandidos detidos e também por uma negligência talvez proposital do governo na época, a Polícia Civil não tinha e não recebeu os meios necessários para conduzir a enorme quantidade de processos. Em suma, todos sabiam que aqueles detidos nas operações eram os principais envolvidos com o tráfico e a violência, porém não foram reunidas provas concretas para que fossem denunciados judicialmente, processados e condenados.

O senhor pode dar um exemplo?

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Um dia, a autoridade judiciária designada para dar assistência à operação me chamou e disse que o chefe do tráfico no Morro do Dendê, preso no primeiro dia da operação, iria ser solto pois não havia nenhuma prova concreta e legal contra ele. Mostrou-me o inquérito feito pela polícia e me surpreendi com a inconsistência do inquérito realizado. Assim, a partir daí, por falta de provas convincentes, um a um foi sendo solto. Não culpo a Polícia Civil pelo fato e sim o governo estadual pela falta de apoio em efetivos e meios para essa importante e sacrificada instituição. A Polícia Civil não tinha pessoal suficiente para um trabalho dessa magnitude. E vejo que isso não melhorou até hoje. Considero que a Polícia Civil é o elemento fundamental para que o “suspeito” detido passe a “condenado” preso.

E depois a operação foi suspensa...

Houve ordem para que a operação terminasse, mas, para que isso não causasse um forte impacto na sociedade, houve uma desmobilização gradual das tropas. A partir de então, passamos à fase da Operação Rio 2, com ações bem mais tímidas e pequenos efetivos até que, em meados de 1995, tudo estava terminado. (...) A partir daí, a violência voltou a crescer e as operações de GLO seguintes (Alemão e Maré) foram desencadeadas já com enormes restrições no emprego da tropa, em especial no que se refere às regras de engajamento. Tínhamos, na Operação Rio, muito mais liberdade para operar.

Como o senhor analisa a situação da violência no Rio hoje?

O problema da violência urbana hoje é bem mais alarmante e preocupante. O armamento dos bandidos hoje tem um poder ofensivo bem maior. O número de comunidades dominadas hoje é bem superior, assim como o domínio das facções criminosas sobre a população. Existem agora milícias que atuam com a mesma violência que os traficantes, dominam territórios e populações e cometem ilícitos variados, o que não era significativo em 1994. Também não havia grandes questionamentos sobre a legalidade do emprego das Forças Armadas, talvez porque a palavra “intervenção” não tenha sido oficialmente adotada naquela ocasião. Fizemos tudo como se uma intervenção fosse, mas essa palavra não foi usada. A imprensa de uma maneira geral também colaborava...

Hoje é muito diferente?

Eu não sentia tanta pressão por parte das autoridades, da Justiça e da imprensa, como está ocorrendo agora com o general Braga Netto e a interpretação da palavra intervenção. O presidente e seus ministros não se envolviam tanto. Eu tinha muita liberdade para decidir o que fazer e prestava contas a um comandante militar.

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Do ponto de vista jurídico, a operação de 94 era bem diferente da atual. O que podia e o que não podia ser feito dentro das comunidades naquela ocasião?

Por sugestão nossa, foi adotado pela Justiça um tipo de mandado de busca em que se designava um endereço específico acrescido de “e adjacências”. Isso permitia se visitar casa a casa na área de conflito. Muita arma foi encontrada não no domicílio do bandido, mas em casas de moradores que eram obrigados a guardar as armas dos bandidos. As chamadas regras de engajamento para as tropas eram bem mais flexíveis, dando mais liberdade de revistar, identificar, buscar casa a casa e reagir aos confrontos. A população em sua grande maioria nas comunidades apoiava e colaborava com a tropa. Podíamos reagir aos tiros, nos confrontos, com maior liberdade de ação. Bandido armado que atirasse para cima ou contra a tropa podia ser abatido.

Isso aconteceu?

Praticamente pouco confronto direto houve com as tropas. Eles sabiam que iam perder. Preferiam esconder as armas e se homiziar nas matas próximas. Sentíamos que a Justiça estava motivada a por um fim ao estado de insegurança e de alta criminalidade. Um desembargador foi designado especificamente para acompanhar e controlar as operações e isso deu um respaldo muito grande às nossas ações.

O senhor acha que é função das Forças Armadas intervir na segurança pública dos Estados?

O problema do Rio de Janeiro não é mais um problema de segurança pública. É um problema de segurança nacional. Como tal, deve deixar de ser competência do governo estadual e passar a ser competência do governo federal. Para isso, novas leis têm de ser aprovadas pelo Congresso, inclusive com emendas constitucionais, e procedimentos referentes ao emprego da tropa e das polícias têm que ser modificados para que o estado vença essa guerra. Falei guerra porque, pelo nível de violência, armamento empregado, número de inocentes mortos, tudo se assemelha a um estado de guerra e, como tal, deve ser tratado. É tudo ou nada. Ou o estado vence essa batalha ou não sei o que vai acontecer ao nosso país. Essa intervenção tem que ser realizada com o apoio de todos.

Quais são os maiores desafios para que a intervenção seja bem sucedida?

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O maior desafio está na mudança ou adequação da legislação. Um bando armado, com armas de guerra, com líderes conhecidos (e até ídolos nacionais), que domina um território e sua população, que cria suas leis e as executa (incluindo a pena de morte), que impede a entrada de empresas de serviços públicos e órgãos de governo, que enfrenta com armas de fogo as forças federais e estaduais, que ameaça de morte juízes e delegados, que diz abertamente na imprensa que não tem medo de Justiça porque voltará para as ruas em poucos dias, que continua comandando o tráfico de dentro dos presídios, não pode ser tratado como criminoso comum. Eles enfrentam o Estado e comprometem a segurança nacional. Não verdade, são uma mistura de bandidos, traficantes, homicidas, guerrilheiros e terroristas e, como tal, devem ser julgados por leis específicas, por tribunais especiais, e devem cumprir penas muito mais rigorosas. Para isso, deveria ser criado um tribunal especial no Rio, com o apoio de uma força tarefa específica para este fim.

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