OAB vai pedir explicações a interventor sobre fichamento de moradores no Rio

Algumas ações de identificação executadas em três comunidades são consideradas inconstitucionais

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Por Roberta Jansen e Roberta Pennafort
Atualização:

RIO - O Observatório Jurídico da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ) enviou ofício nesta segunda-feira, 26, ao interventor federal do Rio, general Walter Braga Netto, pedindo explicações sobre os critérios utilizados para o fichamento de moradores de favelas durante as operações militares de segurança ocorridas na última sexta-feira na capital fluminense.

Nesta segunda, o Exército voltou a uma delas, a Vila Kennedy, na zona oeste, mas não foi feito o registro com fotos da população. Segundo o Comando Militar do Leste - que sustenta que o procedimento é legal e rotineiro -, o “sarqueamento” (averiguação para checagem de mandados de prisão em aberto) não estava entre os objetivos da nova missão.

O general Walter Souza Braga Netto foi nomeado interventor da segurança pública do Rio de Janeiro, em decreto assinado pelo presidente Michel Temer Foto: (AP Photo/Eraldo Peres)

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De acordo com o professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio (Uerj) Rodrigo Brandão, que integra o observatório, “a prática (do fichamento) sem uma regulamentação pública e objetiva” é inconstitucional. O grupo foi criado na quinta-feira passada para monitorar a legalidade das ações da intervenção federal na segurança do Rio.

Brandão reconhece que a identificação precisa ser feita de alguma maneira, uma vez que há diversos mandados de prisão pendentes que precisam ser cumpridos. Frisou, porém, que o procedimento não pode ocorrer de forma que fira a Constituição.

O fato de os critérios usados pelos militares para selecionar os moradores não serem públicos (e não terem sido comunicados às comunidades, especificamente, e à sociedade em geral) já constitui uma ilegalidade, disse. Não se pode obrigar alguém que não é suspeito de nada a tirar foto, ele apontou.

Outra irregularidade aparente é o destino a ser dado a esses dados, que também não foi informado. A identificação tampouco pode ser condicionada a fatores cerceadores do direito de ir e vir, como entrar e sair de casa.

“Precisamos saber quais são os critérios usados para o fichamento para sabermos se são constitucionais ou não”, afirmou Brandão.

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Operação. Nesta segunda, militares do Exército passaram pouco tempo na Vila Kennedy. O CML informou que o intuito era continuar o trabalho de desobstrução de vias fechadas por traficantes. A prática é comum e é usada para protegê-los das forças de segurança. Parte dos bloqueios fora retirada na sexta-feira e no sábado, mas nesta segunda novas barreiras já haviam sido colocadas pelos bandidos.

Na sexta, os militares ficaram todo dia na favela. Com a saída deles, à noite, traficantes reassumiram seus postos, contaram moradores. Os criminosos circularam pelos mesmos lugares antes ocupados pelas tropas.

Os bandidos, nesta segunda, também circulavam pouco depois da retirada dos soldados. A reportagem do Estado encontrou, por volta das 15 horas, apenas uma patrulha da PM perto de uma das praças principais da Vila Kennedy. Nela estavam dois policiais. Os próprios PMs aconselharam a equipe a se retirar, pois havia traficantes por perto.

“O Exército só vem para a mídia ver”, disse um PM. A operação desta segun da não foi divulgada de antemão pelo CML, ao contrário das anteriores. Procurado pela reportagem, o Exército apenas a confirmou.

“Essas operações só enxugam gelo. A própria polícia torce para que deem errado, pois são coniventes e principais interessados na permanência dos traficantes”, lamentou um morador. “É muito triste, e cada vez mais a nossa esperança se vai”, comentou outro.

“Recebemos com muita alegria a chegada das tropas. Mas logo no primeiro dia tivemos uma desilusão, com os abusos cometidos por alguns soldados. Hoje eles voltaram, a esperança se renovou e infelizmente se foram novamente”, disse outro.

Nenhum deles autorizou a reportagem a divulgar suas identidades, por medo de sofrer represálias.

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O presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, afirmou que a entidade não é contrária à intervenção.

“Não somos inimigos das medidas, mas queremos que elas ocorram sem custos dos direitos das parcelas historicamente mais precárias da população”, explicou. “Temos uma profunda preocupação com as ações de segurança pública nas comunidades, no sentido de que sejam feitas dentro do marco legal e constitucional, para preservação dos moradores e também dos agentes.”

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