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Quase 40% das operações policiais na Grande Rio são ineficientes ou desastrosas, diz estudo

Pesquisa analisou as ações de segurança pública feitas na região metropolitana do Rio de 2007 e 2021; especialistas elaboraram um indicador para abordar as ações das forças de segurança

Por Hugo Barbosa
Atualização:

Relatório produzido pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF) aponta que a operação policial que deixou 17 mortos no Complexo do Alemão, em julho passado, não foi episódio isolado no Rio. Entre 2007 a 2021, as polícias fluminenses fizeram, na região metropolitana do Estado, 17.929 ações policiais em comunidades, com 2.393 mortos, entre eles 19 policiais. 

Os óbitos de civis concentraram-se em 593 chacinas, termo que é usado pelos pesquisadores para classificar episódios com três ou mais óbitos – as forças policiais, no entanto, não usam a nomenclatura para classificar as próprias operações. Os especialistas consideraram eficientes, neste período, apenas 275 (1,53%) ações policiais.

As Polícias Militar e Civil realizaram, no final de julho, uma operação no Complexo do Alemão que terminou com 19 vítimas. Foto: José Lucena/Estadão

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Para chegar a essa conclusão, o Geni/UFF desenvolveu um Indicador de Eficiência para avaliar e contribuir na redução da letalidade das operações policiais. De acordo com Daniel Hirata, coordenador do estudo, são considerados três parâmetros no momento de atribuir uma pontuação à ação policial. Um é o impacto para os envolvidos na operação, como o número de mortos, feridos e presos. Outro é a quantidade de armas, drogas, cargas e veículos apreendidos. Leva-se em conta ainda as motivações das ações. O indicador soma as notas para cada um desses itens, que são subdivididos em outros.

Para serem eficientes, as operações policiais devem ter nota geral 14 ou 15. Já a classificação razoavelmente eficiente vai de 11 a 13,5. Ações com indicador de 7 a 10,5 são consideradas pouco eficientes. As ineficientes vão de 1 a 6,5. As desastrosas vão de -12 a 0,5.

Com base nesse indicador, o Geni/UFF classificou também como razoavelmente eficientes 2.769 (15,44%) operações policiais. Considerou ainda pouco eficientes 8.035 (44,82%) ações da polícia. O carimbo de ineficientes foi atribuído a 5.122 iniciativas (28,67%). E 1.728 (9,64%) mobilizações das forças de segurança na região metropolitana fluminense de 2007 a 2021 foram chamadas de desastrosas.

"A questão central é a preservação da vida, ou seja, o fato de uma operação policial não ter mortos é algo que faz essa operação ter uma pontuação maior do indicador”, diz Hirata. 

“Em seguida nos parecem importantes os efeitos observados, ou seja, o número de prisões e apreensões que ocorrem nessas ações. O último item tem a ver com as motivações. Levamos em consideração se elas têm respaldo e autorização judicial como, por exemplo, (se são) operações que acontecem para o cumprimento de mandado de busca ou de apreensão. Essas também tendem a ser mais bem avaliadas do que aquelas motivadas por vinga."

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Zona norte concentra o maior número de operações letais

O relatório mostra que a zona norte da capital fluminense, onde fica o Complexo do Alemão, concentrou 58% dos casos classificados pelos pesquisadores como chacinas policiais. Em seguida, veio a zona oeste, que apresenta 26,4% dos episódios do período estudado. Já a região central apareceu com 10,2% dos casos. Em último, ficou a zona sul, com 5,5% dos registros.

Ocorreu na zona norte, também, a ação policial considerada mais letal da história do Rio. A operação do Jacarezinho, em 2021, deixou 28 mortos. Pelos critérios da pesquisa, foi "desastrosa". O bairro concentra o maior número de mortes em operações – 112 vítimas entre 2007 e 2021 – e o tráfico de drogas é uma das explicações para o elevado número, segundo o estudo do Geni/UFF.

Os dez bairros com maior número de "chacinas policiais" na capital no período examinado foram: Costa Barros (25), Maré (21), Penha (20), Jacarezinho (19), Santa Cruz (19), Vicente de Carvalho (18), Senador Camará (18), Bangu (16), Complexo do Alemão (13) e Cidade de Deus (11).

No ano passado, manifestantes foram às ruas protestar contra a violência policial nas favelas após operação realizada no Jacarezinho. Foto: Amanda Perobelli/Reuters

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Para Daniel Hirata, é preciso que os órgãos de segurança do Estado cumpram e aprimorem os protocolos das operações especiais. "Em primeiro lugar, é preciso melhorar os protocolos que dizem respeito às operações policiais”, diz. "Em segundo, é necessário instaurar um efetivo controle interno e externo da atividade policial, ou seja, corregedorias e Ministério Público com vista a se fazer cumprir esses protocolos."

Gestões Witzel e Castro apresentam recorde de chacinas e mortes

Em 2019, no primeiro ano de mandato de Wilson Witzel, foram registradas 75 chacinas e 285 mortos durante operações policiais no Rio, os maiores números anuais registrados desde 2007 pelo Geni/UFF. Pouco antes de assumir o cargo, em entrevista ao Estadão, Witzel defendeu que os criminosos armados fossem mortos por snipers da polícia, com tiros “na cabecinha”.

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Já nos primeiros doze meses da gestão de Cláudio Castro (PL), foram contabilizadas, em operações policiais, 32 chacinas e 162 mortes, segundo apontam os pesquisadores. Castro, que assumiu o governo após o impeachment de Witzel em maio de 2021, tenta a reeleição em outubro e tem como um dos motes da campanha a segurança no Estado.

Esses resultados das ações policiais no Rio, para o sociólogo Ignacio Cano, especializado em segurança pública, são consequência do contexto político dos últimos anos.

Outra operação no Jacarerinho foi feita pela polícia no começo deste ano, em janeiro. Foto: José Lucena/Estadão

Banalização

Antropóloga e cientista política, Jacqueline Muniz diz que as instituições policiais também são vítimas das gestões governamentais Segundo ela, as operações policiais são usadas como instrumentos para fins eleitorais. "Os governantes que banalizam as operações pouco se importam com a instituição e com a vida policial", diz. "Isso sabota a polícia por dentro.” 

Na visão da antropóloga, o número elevado de operações especiais em comunidades banaliza o recurso que deveria ser utilizado em situações emergenciais e críticas.  "As operações especiais foram criadas para reverter cenários difíceis. São excepcionais, mobilizam elevada escala de recursos e atuam em eventos críticos. O governante não deveria usar um recurso caro e nobre dessa maneira, porque vulgariza e não produz resultado. A aplicação da continuidade das operações policiais também gasta o próprio recurso repressivo da polícia." 

Polícias defendem sua atuação 

Procurada para falar sobre o estudo Geni/UFF e sobre a operação no Alemão, a PM respondeu, em nota, que "foram apreendidos um fuzil utilizado para tentar derrubar as aeronaves durante as ações, quatro fuzis, duas pistolas e 56 artefatos explosivos que seriam empregados contra as equipes". Também foram apreendidas, segundo a corporação, 43 motocicletas que seriam "utilizadas para causar distúrbios nas vias daquela região", com objetivo de "desmobilizar as ações policiais e propiciar a fuga de criminosos". Ainda conforme o texto, a "Polícia Civilanalisa todos os casos e a Polícia Militar colabora integralmente com as investigações". 

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A Polícia Rodoviária Federal, que também atuou no local, declarou por e-mail que "a PRF-RJ não participou do planejamento da operação nem das atividades no terreno". "Apenas enviamos algumas viaturas blindadas para retirar os policiais militares e civis que estavam encurralados no interior da comunidade." Já a Polícia Civil não se manifestou.

Perfil da facção deveria ser considerado no índice, diz especialista e ex-PM 

Paulo Storani, especialista em segurança pública, antropólogo e ex-capitão da Polícia Militar do Rio, criticou alguns pontos do indicador criado pelo Geni/UFF. Para ele,fatores como o perfil e as particularidades de cada facção criminosa devem ser observados ao medir a eficiência das operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro. 

"O número de mortos é um resultado que depende muito mais de quem a polícia enfrenta do que da própria polícia. Os traficantes são divididos em três facções criminosas, duas delas evitam ao máximo o enfrentamento com a polícia", afirmou. "Se a polícia fizer uma operação em uma comunidade dominada pelo Comando Vermelho, a chance de que tenha enfrentamento e letalidade alta são grandes. Se a polícia atuar em uma região dominada pelo Terceiro Comando ou Amigo dos Amigos, a tendência é que não aconteça isso. O confronto, nestes casos, se dá para que a criminalidade ganhe tempo para sumir e esconder o material delituoso." 

Storani, mestre em Antropologia Social pela UFF, avalia que o grau de resistência enfrentado pelos agentes de segurança pública também precisa ser considerado para avaliar a eficiência dessas ações.  "A eficiência é determinada pelo nível de combate e resistência que a polícia encontra durante as operações nas comunidades do Rio. O Comando Vermelho, por exemplo, possui um armamento mais pesado. É preciso considerar isso como fator."

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