Paróquia 'uniformizará' jovens em festa para que não sejam detidos

Padre quer evitar que 240 fiéis sejam apreendidos ou agredidos, confundidos com os infratores envolvidos nos arrastões no Rio

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Por Carina Bacelar
Atualização:

RIO - Em setembro do ano passado, o padre José Roberto Devellard, da Paróquia da Ressurreição, em Copacabana (zona sul), rezava para chover nos fins de semana. Com a igreja na frente da Praia do Arpoador, o motivo da prece eram os assaltos constantes nos dias ensolarados. Um ano depois, os arrastões se intensificaram, e Devellard passou a investir em mais do que orações. 

Para a festa de São Cosme e Damião, no domingo, quando haverá distribuição de lanches e doces para crianças e adolescentes da vizinha Favela Pavão-Pavãozinho, gastou R$ 3,6 mil em camisetas amarelas, estampadas com fotos de santos e a frase “Amigo de Jesus”. Com o forte aparato policial montado para coibir tumultos no fim de semana, o padre quer evitar que os jovens fiéis sejam apreendidos ou agredidos, confundidos com os infratores envolvidos nos arrastões. Decidiu uniformizá-los com a roupa amarela.

Diácono da paróquia, Coelho mostra camiseta que será usada pelos jovens Foto: FABIO MOTTA/ESTADÃO

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“Eu convidaria quase 300 crianças e coloquei só 240, por causa do número de camisetas. Meu receio é de que (os jovens) sejam confundidos com integrantes do arrastão, então tive de colocar uniforme em todo mundo. É uma sensação muito desagradável. Estamos colhendo o que não plantamos. Os jovens que são da comunidade têm medo, porque às vezes os policiais confundem. Ninguém tem uma placa dizendo ‘não vou assaltar’”, afirmou o padre.

Para o religioso, o medo dos adolescentes não é infundado, afinal, “os negros têm documentos pedidos em toda a orla”. Em junho deste ano, durante show dos cantores Criolo e Ivete Sangalo na Praia de Copacabana, sete coroinhas não foram parar na delegacia por muito pouco. Com roupas de banho, estavam sentados na calçada na frente da igreja. Uma patrulha policial pediu seus documentos, que não levavam. 

Foram salvos pelo diácono da paróquia, Gabriel Coelho, que presenciou a abordagem da PM e disse que era responsável pelos garotos. “O policial disse que era um procedimento normal e os meninos estavam sem documento e teriam de ser levados para a delegacia. Disse a ele que teria de me prender toda vez que eu fosse à praia, porque nunca levo meus documentos. A gente recomenda que eles tenham educação, respeitem os policiais e não cantem música de apologia a nada”, afirmou.

No último fim de semana, a igreja esteve no centro da confusão. No Arpoador ficam os pontos finais de ônibus que vêm do subúrbio, como o 484, que parte de Olaria e passa por complexos de favelas como Alemão, Manguinhos e Maré. Durante os confrontos, turistas e moradores se refugiaram dos assaltantes nas instalações da igreja. Paroquianos e até frentistas de um posto de gasolina próximo escoltaram pedestres amedrontados para dentro da igreja.

“Foi um campo de guerra aqui. Tinha homens chorando, desesperados. Não são cinco não, são cem (infratores). Ia ter um concerto da igreja à tarde. No meio do caminho, tivemos de correr para socorrer as pessoas”, lembrou o coordenador da Pastoral da Juventude, o publicitário Antônio Camões. 

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Sem cordão de ouro. Fiéis garantem que o padre Devellard já recomendou em sermões que a comunidade não use joias ou cordões de ouro, o que ele nega. O religioso diz que apenas aconselha os frequentadores das missas. Na semana passada, conversou com um turista que esteve na igreja. “Pedi a ele para tirar o cordão no banheiro e disse: ‘Gostaria que o senhor levasse uma boa recordação do Rio, e não que seja assaltado’”, afirmou. O próprio padre substitui o crucifixo de ouro por um de barbante, depois que foi roubado em Copacabana, há dois anos. 

Devellard afirma que os fiéis não deixaram de frequentar a igreja, mas admite que “o pessoal fica medroso” nas missas rezadas aos sábados e domingos nos horários mais “problemáticos”: 10h30, 12 horas e 17 horas. O padre afirmou que não planeja contratar mais seguranças para o templo, além do único vigilante que já trabalha ali há “vários anos”. “Segurança é o Estado que é responsável. E não a igreja”, ponderou.

Justiceiros. Além da presença de assaltantes, os párocos têm um motivo a mais para preocupação: no Facebook, reuniões de justiceiros já estão sendo marcadas para a porta da igreja, para enfrentar arrastões. A situação também preocupa a Secretaria da Segurança Pública, que disse anteontem que as investigações sobre os justiceiros estão avançadas e promete coibir essas ações.

Para Antônio Camões, essas ações “não são o caminho certo, mas um desespero de impotência”. O publicitário afirma que os cariocas e turistas estão diante de uma “guerra civil”. Já o padre Devellard é mais categórico. “Eles (os justiceiros) vão acabar ferindo pessoas que não têm nada a ver com isso”, disse o pároco, que conta não ter rezado pelas chuvas neste ano. Ainda.

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