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Rio: escolas destacam Paulo Gustavo, cultura negra e criticam símbolos colonizadores

Imperatriz, Mangueira, Viradouro e Beija-Flor brilham; data marcou a comemoração de quem esperava há mais de dois anos pela folia na avenida

Foto do author Marcio Dolzan
Por Fabio Grellet , Marcio Dolzan e Isabela Moya
Atualização:

RIO - A primeira noite de desfiles das principais escolas de samba do Rio de Janeiro, que começou pontualmente às 22h de sexta-feira, 22, e seguiu até 5h45 de sábado, 23, mostrou que a vida está mesmo voltando ao normal. 

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A Marquês de Sapucaí ontem teve tudo que todo desfile tem: escola de samba que deu show e está credenciada a disputar o título, como Imperatriz, Mangueira, Viradouro e Beija-Flor; escola que precisou correr para não estourar o tempo-limite de desfile (o que causa perda de pontos), como o Salgueiro; carro alegórico com dificuldade para entrar na avenida (São Clemente); festa permanente no setor 1, o mais popular e localizado em frente à concentração das escolas; gente que pagou quase R$ 2 mil por um ingresso de camarote e se julgou no direito de invadir a pista no meio dos desfiles, e teve ainda gente aparentemente embriagada brigando com segurança. 

Mas teve, fundamentalmente, a comemoração de quem esperava há mais de dois anos pela folia.

Imperatriz Leopoldinense abriu a noite de desfiles no Rio com homenagem a Arlindo Rodrigues (1931-1987), cenógrafo, figurinista e carnavalesco. Foto: Carl de Souza/ AFP

A emoção da primeira escola dois anos depois

A primeira escola a desfilar foi a Imperatriz, que homenageou Arlindo Rodrigues (1931-1987), cenógrafo, figurinista e carnavalesco responsável pelos dois primeiros títulos da Imperatriz, em 1980 e 1981. O enredo coube à carnavalesca Rosa Magalhães, subordinada a Rodrigues quando começou a carreira no universo do samba, como figurinista do Salgueiro, em 1971. 

Antes de chegar à Imperatriz, Rodrigues fez desfiles memoráveis pelo Salgueiro, onde foi cinco vezes campeão (1960, 1963, 1965, 1969 e 1971), e pela Mocidade Independente, onde venceu um desfile em 1979. Por isso, o enredo da Imperatriz foi uma revisita aos desfiles dessas escolas, retratados em muitas alas e mesmo em carros alegóricos, todos muito luxuosos. Ao final, a escola exaltou os dois títulos conquistados pelo homenageado na própria Imperatriz. Rebaixada em 2019 e vencedora da segunda divisão em 2020, a Imperatriz terminou o desfile deste ano aos gritos de “é campeã!”.

Mangueira prestou homenagem a três ícones da escola: o compositor e fundador Cartola (1908-1980), o intérprete Jamelão (1913-2008) e o mestre-sala Delegado (1921-2012). Foto: Amanda Perobelli/ REUTERS

Mangueira homenageia Cartola, Jamelão e Delegado

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A segunda escola a desfilar foi a Mangueira, que homenageou três ícones da própria escola: o compositor e fundador Cartola (1908-1980), o intérprete Jamelão (1913-2008) e o mestre-sala Delegado (1921-2012). Reconhecido pelos enredos de cunho social, o carnavalesco Leandro Vieira desta vez caprichou nos tons verde e rosa, predominantes em praticamente todas as alas. 

Assim como a Imperatriz, a Mangueira exibiu fantasias e carros alegóricos luxuosos e com acabamento refinado. Uma das alegorias de destaque retratava Delegado como um dançarino de caixinha de música, com um mecanismo de dar corda grudado às costas. 

Mas a escola levou um susto quando Marquinho Art’Samba, o intérprete da escola, passou mal e, aparentando estar sem ar, precisou se sentar e ser atendido pelos bombeiros. O problema ocorreu ainda na primeira metade do desfile, mas Marquinho atravessou a avenida sentado numa cadeira, no carro de som que acompanha a bateria. Como toda escola de samba, a Mangueira tem um grupo de intérpretes-assistentes, que entoaram o samba-enredo até o fim. Art’Samba foi retirado do carro de som de maca e levado a uma unidade de saúde - seu estado de saúde era estável, segundo a equipe médica que o atendeu.

Com o enredo “Resistência”, Salgueiro foi a terceira escola a desfilar. Foto: Mauro Pimentel / AFP

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Salgueiro leva ‘Resistência’ para a Sapucaí

O Salgueiro foi a terceira escola a desfilar, com o enredo “Resistência”, que retratou locais do Rio de Janeiro que se tornaram símbolos do povo negro, como a Pequena África e a Praça XI, palco dos primeiros desfiles das escolas de samba. A partir dessa ideia, a escola mostrou a importância histórica dos negros e do combate ao racismo. O Salgueiro exibiu fantasias e alegorias luxuosas, mas teve problemas com o relógio: ao final, as alas tiveram que correr para não extrapolar o limite máximo de tempo para o desfile, de 70 minutos. A escola encerrou a exibição com exatos 70 minutos, sob correria, o que deve comprometer sua classificação no quesito evolução.

Rir é resistir, esse foi o clima da apresentação da São Clemente. A escola de samba reverenciou o artista Paulo Gustavo, vítima da covid-19. Durante o desfile, a agremiação rememerou grandes sucessos da TV. Foto: Andre Coelho/ EFE

Na reta final, São Clemente, Viradouro e Beija-Flor

A quarta escola a se exibir foi a São Clemente, que homenageou o ator, autor e humorista Paulo Gustavo, morto em 2021 vítima da covid-19. Embora tenha emocionado o público (a mãe dele estava na comissão de frente), a escola teve problemas com um carro alegórico, o que comprometeu a evolução da escola.

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A penúltima escola a desfilar na primeira noite foi a Unidos do Viradouro, de Niterói (Região Metropolitana do Rio), atual campeã do carnaval carioca. A escola reviveu o carnaval de 1919, o primeiro após a pandemia de gripe espanhola, que matou 35 mil pessoas no Brasil e que, antes da covid-19, era considerada a maior pandemia da história. 

Unidos do Viradouro, de Niterói (Região Metropolitana do Rio), atual campeã do carnaval carioca. Foto: Carl de Souza / AFP

O samba tratava sobre uma fictícia carta de amor enviada por um pierrô a uma colombina, datada da quarta-feira de cinzas de 1919, e seu refrão empolgou o público. As alas retrataram fantasias usadas naquela época, especialmente - e como não poderia ser diferente - de pierrôs e colombinas.

Primeira noite de desfiles das escolas de samba do Rio foi encerrada pela Beija-Flor. Foto: Silvia Izquierdo/ AP

A primeira noite de desfiles das escolas de samba do Rio foi encerrada pela Beija-Flor. Sempre vistosa e bem organizada, a escola exaltou os negros que classificou como “escondidos pela história” por conta do preconceito de cor.  Com o enredo “Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija Flor”, repleto de referências à história, cultura, intelectualidade e personalidades negras, a escola de samba Beija-Flor de Nilópolis desfilou na Sapucaí, neste sábado, 23.

Na apresentação da comissão de frente, estátuas de figuras brancas, que representavam a repressão aos escravos negros, foram queimadas, dando lugar à ascensão de um bailarino negro, em referência à derrubada de monumentos que enaltecem colonizadores – como o episódio de julho de 2021, quando a estátua de Borba Gato, em São Paulo, foi incendiada em um protesto. O assassinato de George Floyde, homem negro norte-americano morto asfixiado por policiais em Minneapolis, nos EUA, em maio de 2020, também foi lembrado com o destaque para o lema “vidas negras importam” na coreografia.

Promovendo a valorização da ancestralidade africana, “Macuas”, como foi batizada a comissão de frente, mostrou dançarinos vedados, com suas pegadas sendo apagadas pelo colonizador.Durante a performance, os jovens negros retiram a venda, e lutam com dois pedaços de pau, em um símbolo à resistência à escravização da população negra. A escola de samba homenageou também personalidades e intelectuais negros, como Machado de Assis, Lima Barreto, Maria Carolina de Jesus, Aleijadinho, entre outros. Laíla, diretor de carnaval que morreu no ano passado por complicações da covid-19, foi representado no carro alegórico intitulado 'Palco de Nossas Vidas'. 

A escola fez um desfile exuberante e, como de praxe, também é candidata ao título.

Desfiles deste sábado

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A segunda noite de desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro vai concentrar homenagens às religiões africanas, à cultura e a uma personalidade negra, além de retratar uma lenda indígena. Os desfiles começam às 22h deste sábado, 23, e devem se estender até por volta das 5h do domingo, 24.

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