Rio tem primeiro dia de desfiles neste domingo

Um dos destaques é a representação de Jesus pela tradicional Mangueira; tom crítico marca apresentações

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Foto do author Daniel Silveira
Por Fabio Grellet e Daniel Silveira
Atualização:

RIO - Sete escolas de samba se apresentam na noite deste domingo, 23, e madrugada de segunda-feira, 24, na Marquês de Sapucaí, no Rio.

Escola de Samba Estácio de Sá desfila pela Sapucaí Foto: WILTON JUNIOR/ ESTADÃO

O espetáculo começou às 21h30, com o desfile da Estácio de Sá, que reestreou na elite do carnaval carioca neste ano com um enredo sobre pedras.  O tema foi desenvolvido pela experiente Rosa Magalhães, que, aos 73 anos, é a carnavalesca campeã de títulos no Sambódromo (o período a partir de 1984, quando ele foi inaugurado). Venceu 1994, 1995, 1999, 2000, 2001 e 2013, além de um título anterior, em 1982. A partir das pedras, Rosa abordou o ciclo do ouro em Minas Gerais, a poesia de Carlos Drummond de Andrade, crenças indígenas e até a lua.

A Unidos do Viradouro juntou a história do Rio com a da Bahia durante a apresentação no carnaval deste ano. Foto: WILTON JUNIOR/ ESTADÃO

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Antes das 23 horas, teve início a apresentação da segunda escola a desfilar: a Unidos de Viradouro, atual vice-campeã do carnaval.  Sediada em Niterói (Região Metropolitana do Rio), a Viradouro estava na segunda divisão até 2018, quando venceu. Em seu retorno à elite, com o carnavalesco Paulo Barros, só perdeu para a Mangueira. Barros saiu, e a escola contratou dois carnavalescos menos experientes, mas permanece entre as favoritas e contar a história das Ganhadeiras de Itapuã.

Eram mulheres escravizadas que no século XIX vendiam comida e lavavam roupas na lagoa do Abaeté, em Salvador. Com o dinheiro arrecadado, elas compravam a liberdade de outras mulheres submetidas ao cativeiro. A partir dessa narrativa, a escola exalta o empoderamento feminino. As últimas alas serão só de mulheres. O último carro alegórico fará uma homenagem ao grupo musical Ganhadeiras de Itapuã, criado em 2004 para resgatar canções de suas antepassadas.

Ao lado do "Jesus da Mangueira", pessoas carregam cruzes com os dizeres "bandido morto". Foto: WILTON JUNIOR/ ESTADÃO

Em seguida, será a vez da Estação Primeira de Mangueira, vai contou a saga de Jesus Cristo como se ele nascesse nos dias atuais, no morro da Mangueira (zona norte do Rio), onde fica a escola. “É o Jesus humano, a pessoa de família pobre que viveu na periferia, não aquele personagem consagrado, produto da veneração criada depois”, avisou o carnavalesco Leandro Vieira, de 36 anos. Em quatro anos na escola, ele conquistou dois títulos (em 2016 e 2019), um quarto e um quinto lugares.

A Escola de SambaEstácio de Sá vai abrir o espetáculo, neste domingo, 23 Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

Jesus foi representado de várias maneiras, com atores como Humberto Carrão, um pastor (Henrique Vieira) e uma mulher, a rainha da bateria Evelyn Bastos, que estava com grande parte do corpo coberto e não sambou durante o desfile. No quarto carro alegórico, Jesus foi representado numa escultura de dez metros de altura em que um menino negro pobre aparece crucificado. A alegoria desfila 31 anos depois que o Cristo Redentor caracterizado como mendigo foi proibido de ser exibido e fez sucesso coberto com um plástico preto onde se lia “Mesmo proibido, olhai por nós”, em desfile histórico da Beija-Flor do carnavalesco Joãosinho Trinta. 

A cantora Alcione representou Maria, mãe de Jesus, e o cantor e compositor Nelson Sargento foi José, o pai. O samba fez uma referência política no verso “Favela, pega a visão / Não tem futuro sem partilha / Nem messias de arma na mão”. É uma menção ao presidente Jair Messias Bolsonaro (sem partido), que adotou como símbolo de sua campanha à Presidência a arma simbólica, com a mão de dedo indicador esticado.

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Arainha de bateria da escola de samba Estácio de Sá, Jack Maia. Foto: FOTO: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

Inspirada no poema “O Rei que Mora no Mar”, de Ferreira Gullar, a Paraíso do Tuiuti promoveu um encontro imaginário entre Dom Sebastião - coroado rei de Portugal aos 3 anos, em 1557, e desaparecido em uma batalha contra os mouros, aos 24 anos, gerando lendas sobre seu ressurgimento - e são Sebastião, soldado romano martirizado e padroeiro do Rio.

A escola mostrou lendas que envolvem o desaparecimento do rei de Portugal e seu possível aparecimento no Maranhão, em forma de  um boi que aparece em noites de lua cheia. E também contou um pouco da  história do santo católico que é padroeiro da cidade do Rio de Janeiro.

Escola levou para a Sapucaí a história de Joãozinho da Gomeia, líder religioso do candomblé na comunidade de Caxias, onde a Grande Rio surgiu Foto: WILTON JÚNIOR/ESTADÃO

A Grande Rio foi a quinta escola a desfilar e fez uma homenagem a Joãozinho da Goméia, pai-de-santo baiano que em 1948, aos 34 anos, se mudou para Duque de Caxias, na Baixada Fluminense onde fica a escola. Negro e homossexual, Joãozinho superou preconceitos e fez muito sucesso. Atendeu Getúlio Vargas (1882-1954), a sogra de Juscelino Kubitschek, a cantora Ângela Maria (1929-2018), entre outras personalidades. Também se apresentou como dançarino no Cassino da Urca e chegou a participar de filme.

A escola defendeu o samba-enredo "Tata Londirá: O canto do caboclo no quilombo de Caxias" e fez um desfile em defesa da tolerância religiosa. À medida que cantava a história de Joãozinho, desde seu nascimento em Inhambupe, interior da Bahia até sua chegada em Caxias, mostrou sua relação com entidades religiosas do culto afro-brasileiro. Além disso, fez uma passagem por sua vida artística.

A União da Ilha defendeu a educação como solução para as mazelas do povo mais pobre Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

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Famosa desde o fim dos anos 70 do século passado por tratar de temas leves e divertidos, hoje a União da Ilha mudou radicalmente. Na estreia de Laíla como diretor de carnaval, a escola da Ilha do Governador (zona norte) falou sobre a dura rotina das favelas do Rio. A escola enfrentou a dificuldade de ter um carro emperrado durante o desfile, que teve que ser empurrado pelos componentes da escola, o que fez a União ter problemas na evolução e harmonia, atrasando um minuto no fechamento do desfile, que deve refletir em punição. 

O enredo partiu de uma mulher negra, moradora de uma comunidade pobre e grávida que imagina os desafios que seu filho enfrentará ao longo da vida. O carro abre-alas retratou uma favela, e os ritmistas da bateria da escola foram vestidos como alunos da rede pública. Estudantes são alvos recorrentes de balas perdidas durante tiroteios nas comunidades.

A escola apostou no realismo e levou um ônibus de verdade como alegoria, que teve uma encenação de sequestro durante a passagem pela passarela do samba. Outros aspectos que demostram a dificuldade de populações mais pobres também apareceram como pessoas vivendo nas ruas e desempregados, em contraste com a riqueza de  políticos e poderosos. No fim das contas a União da Ilha apostou na educação como saída para as mazelas da vida.

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Portela foi a sétima escola de samba a desfilar no sambódromo da Marquês de Sapucaí, na noite deste domingo Foto: WILTON JÚNIOR / ESTADÃO

A primeira noite de desfiles terminou com a exibição da Portela, que contou um pouco de como era o Rio antes da chegada dos portugueses. A escola também retratou a degradação ambiental a que foi submetida a antes paradisíaca baía de Guanabara. O samba da agremiação de Madureira faz uma referência velada a dois governantes: “Nossa aldeia é sem partido ou facção / Não tem bispo nem se curva a capitão”. São menções ao prefeito MarceloCrivella (Republicanos), que é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, e ao presidente Bolsonaro, capitão reformado do Exército.

A escola entrou na passarela do samba com o dia começando a nascer e, por conta disso, abusou das cores ao invés de efeitos de luz, muito comuns em outras agremiações. A águia da Portela veio no carro abre-alas com um mecanismo nas asas inspirado na robótica. 

Domingo (23 de fevereiro)

Previsão de horário do início dos desfiles

21h30 – Estácio de Sá

Enredo: "Pedra"

22h30 / 22h40 – Viradouro

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Enredo: “Viradouro de Alma Lavada”

23h30 / 23h50 – Mangueira

Enredo: “A Verdade Vos Fará Livre”

0h30 / 1h – Paraíso do Tuiuti 

Enredo: “O Santo e o Rei: Encantarias de Sebastião”

1h30 / 2h10 – Grande Rio

Enredo: “Tata Londirá – O canto do caboclo no quilombo de Caxias”

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2h30 / 3h20 – União da Ilha

Enredo: “Nas encruzilhadas da vida; entre becos, ruas e vielas, a sorte está lançada: Salve-se quem puder!”

3h30min / 4h30min - Portela

Enredo: “Guajupiá, Terra Sem Males”

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