Roubo cai e morte por polícia cresce no Rio sob intervenção

Exército deixa comando da segurança fluminense no dia 31; general fala em missão cumprida e especialistas criticam operações violentas

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Por Roberta Jansen
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RIO - Com fim agendado para a próxima segunda-feira, a intervenção federal na segurança pública do Rio conseguiu reduzir o número de homicídios dolosos, mas teve aumento recorde de mortes por policiais. Entre fevereiro, quando passou a vigorar a medida, e novembro, mês com dados mais recentes, os índices de roubos de carga, de carros e na rua também recuaram. "Temos a convicção de que trilhamos um caminho difícil e incerto, mas cumprimos a missão", afirmou o interventor, general Walter Braga Netto. 

De nove indicadores, só um ficou estável e os demais pioraram na Vila Kennedy Foto: Wilton Junior/Estadão

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Conforme o Instituto de Segurança Pública (ISP), o total de registros de letalidade violenta no Rio de fevereiro a novembro foi de 5.025 - são 45 ocorrências a mais do que no mesmo período do ano anterior. A alta é puxada pela explosão de homicídios por policiais - 1.185, ante 859 no mesmo período de 2017, aumento de 40%. A quantidade é recorde em 16 anos de série histórica do ISP. Já o total de homicídios dolosos (sem contar mortes por policiais) diminuiu 6%. O balanço saiu de 3.919 para 3.686 casos, na mesma comparação.   Por outro lado, o total de policiais mortos no Estado recuou 32% - de 134 para 91 ocorrências, número que ainda é considerado elevado por especialistas. Já os roubos de carga caíram 20%; roubos de automóvel, 8%; e roubo de rua, 6%. 

“Após dez meses de trabalho, atingimos todos os objetivos propostos, de maneira a recuperar a capacidade operativa dos órgãos de segurança pública e baixar os índices de criminalidade”, disse Braga Netto na cerimônia oficial de encerramento da intervenção, com presença do governador em exercício, Francisco Dornelles (PP), nesta quinta-feira, 27.

“Consistentemente, todos os relatórios que lançamos mostram um aumento da violência armada durante a intervenção”, afirmou a socióloga Maria Isabel Couto, do laboratório de dados sobre violência urbana Fogo Cruzado. “Isso significa que a própria política de segurança tem um impacto grande na violência armada. É um efeito claro do aumento das operações grandes e com muitos agentes”, acrescenta ela. 

Outro mau resultado, para especialistas, é o não esclarecimento do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL). Ela e seu motorista, Anderson Gomes, foram executados a tiros em março, no centro do Rio. No total, o período da intervenção federal será de 319 dias. 

Recursos.

De acordo com balanço de ontem, o Gabinete de Intervenção Federal empenhou para gastar R$ 890 milhões - 74% do orçamento total de R$ 1,2 bilhão, montante reservado pelo governo federal para o órgão. O gabinete promete elevar o montante empenhado a 90% do orçamento até amanhã - nas regras do orçamento público, quando um valor é empenhado, o governo assume que terá crédito para fazer o pagamento pelos bens ou serviços. 

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Na última semana, o gabinete entregou 852 novas viaturas à Polícia Militar. Armas, munição e coletes também foram repassados à corporação. 

Vida piora no 'laboratório'.

Escolhida para ser o “laboratório” da intervenção federal na segurança pública no Rio, a favela Vila Kennedy, na zona oeste, viu seus índices de violência dispararem. Dos nove indicadores medidos pelo Observatório da Intervenção, só um ficou estável: roubo de carros. Os outros pioraram, como homicídio doloso (alta de 7,6%), roubo ao comércio (alta de 26,5%) e roubo a coletivos (alta de 19,4%), de acordo com dados da 34.ª DP, que engloba a Vila Kennedy.

Também cresceu em 171% o número de disparos e tiroteios. Entre fevereiro e dezembro foram registradas 333 ocorrências, antes 123 no mesmo período de 2017, segundo a ONG Fogo Cruzado. Os números transformaram a Vila Kennedy no lugar com maior registro de troca de tiros durante a intervenção.

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A situação fez com que profissionais da Clínica da Família Wilson Mello Santos, que ficava no meio da comunidade, abandonassem o prédio. Agora, o atendimento ocorre de forma improvisada, num centro comunitário na entrada da favela.

A clínica original estava em uma região de disputa entre duas facções. Além dos frequentes confrontos entre os bandos, há incursões recorrentes da PM. “Não dá para trabalhar, é tiro o tempo todo. E já aconteceu de os bandidos invadirem a clínica”, contou um funcionário do local, sem se identificar.

Segundo moradores ouvidos pelo Estado, a situação melhorou com a entrada do Exército, e havia uma sensação de segurança. “Mas ali aconteceu o pior, que é você prometer um laboratório e abandonar a população na mão dos criminosos”, diz a cientista política Sílvia Ramos, do Centro de Estudos da Violência da Universidade Cândido Mendes, diretora do Observatório. “A violência hoje é mais ostensiva do que antes da intervenção.”

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Procurado, o Gabinete da Intervenção Federal (GIF) não se manifestou.

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