Devotos baianos fazem festa pela canonização da Irmã Dulce

Decisão foi anunciada pelo papa nesta terça. Irmã se torna santa 27 anos após seu falecimento e será a primeira mulher santa brasileira

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Por José Maria Tomazela
Atualização:

SOROCABA – Devotos de Irmã Dulce receberam com festa e orações, nesta terça-feira, 14, a notícia da canonização da freira conhecida como o "Anjo bom da Bahia". O arcebispo-primaz de Salvador, d. Murilo Krieger, disse que o dia “é de júbilo” para a Igreja do Brasil e que a canonização da freira será uma das mais rápidas da história.

Irmã Dulce se torna santa apenas 27 anos após seu falecimento. Só a santificação do papa João Paulo II, nove após após sua morte, e de madre Teresa de Calcutá, 19 anos após o falecimento, exigiram menos tempo. Irmã Dulce será a primeira santa nascida no Brasil, que até agora só tem um santo brasileiro de nascimento - Santo Antônio de Sant'Ana Galvão, o Frei Galvão.

Papa João Paulo II com a Irmã Dulce Foto: Arquivo Estadão

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A notícia foi divulgada oficialmente, pelo Vaticano, de manhã, mas a data da cerimônia de santificação ainda será marcada. Devotos da freira deram um abraço simbólico no Santuário de Imaculada Conceição da Mãe de Deus, no início da tarde, como agradecimento pelo fim do processo de canonização.

Em seguida, foi celebrada uma missa de ação de graças, em que os fiéis lotaram a igreja. “Estamos em festa, é a melhor notícia que podíamos ter recebido. Tenho vontade de sair pela rua gritando 'viva santa Irmã Dulce'”, disse a visitadora Ana Deolinda, que trabalha em projetos sociais criados pela freira.

O papa Francisco autorizou a promulgação do decreto de canonização na terça-feira, 14, em audiência com o prefeito da Congregação das Causas dos Santos, cardeal Angelo Becciu, após o reconhecimento do segundo milagre da freira. Embora não tenham sido divulgados detalhes, a arquidiocese confirmou que o milagre seria a cura de uma pessoa cega.

Conforme o arcebispo, o milagre validado pelo Vaticano passou por três etapas de avaliação, incluindo o aval científico dado por peritos médicos, os pareceres de teólogos e a aprovação final pelo colégio cardinalício. “É importante ressaltar que uma graça só é considerada milagre após atender a quatro pontos básicos: a instantaneidade, que assegura que a graça foi alcançada logo após o apelo; a perfeição, que garante o atendimento completo do pedido; e a durabilidade e permanência do benefício e seu caráter preternatural, não explicado pela ciência”, informou.

Prefeito de Salvador também celebra

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A canonização repercutiu na Bahia e em várias regiões do país. Em Pereiras, interior de São Paulo, os sinos da igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição repicaram em festa. O prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM) afirmou que a canonização é um reconhecimento à história de vida da beata. “Estou muito feliz e emocionado com a confirmação divulgada pelo Vaticano, mesmo sabendo que Irmã Dulce sempre foi considerada santa por nós, baianos. É um reconhecimento à história do Anjo Bom da Bahia, que construiu uma obra grandiosa de amor e caridade.”

No Memorial de Irmã Dulce, na capital baiana, a expectativa é de que se intensifiquem as visitações, que já são intensas, segundo a assessoria de imprensa. O local é aberto à visitação de terça a domingo, das 10 às 17 horas. O memorial foi inaugurado em 1993, um ano após a morte da freira baiana e mantém em exposição permanente 800 peças sobre o legado da religiosa. Estão expostos o hábito usado por ela, fotografias, documentos e objetos pessoais, além de preservar intacto o quarto da irmã, com a cadeira em que ela dormiu por quase trinta anos em virtude de uma promessa.

Entre as peças que mais atraem os visitantes, está também a imagem de Santo Antônio, do século 19, pertencente à família da religiosa, diante da qual ela costumava rezar. Em outra área fica a Capela das Relíquias, no Santuário da Bem-aventurada Dulce dos Pobres, onde, desde junho de 2010, encontra-se o túmulo da freira.

Irmã manifestou interesse pela vida religiosa na adolescência

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Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes nasceu em 26 de maio de 1914, em Salvador. Segunda filha de um dentista e de uma dona de casa, ela manifestou interesse pela vida religiosa no início da adolescência. Aos 13 anos, atendia doentes no portão de casa, mais tarde conhecida como “a portaria de São Francisco”, devido à aglomeração de desassistidos. Em 1933, ingressou na Congregação da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, em São Cristóvão (SE), e recebeu o hábito, adotando o nome de Irmã Dulce.

O trabalho assistencial nas comunidades carentes teve início dois anos depois, nos Alagados, conjunto de palafitas de Salvador. Em 1936, criou a União Operária São Francisco, primeira organização católica de trabalhadores do Estado. Em 1939, ocupou cinco casas na Ilha dos Ratos para abrigar doentes que não tinham onde ficar.

Dez anos depois, repetiu o gesto no galinheiro do Convento de Santo Antônio, levando para lá 70 doentes. A iniciativa deu origem à tradição oral de que a freira construiu o maior hospital da Bahia a partir de um galinheiro.

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Em 1959, foi estabelecida oficialmente a Associação Obras Sociais Irmã Dulce e, no ano seguinte, inaugurado o Albergue Santo Antônio. O trabalho assistencial da freira, que respirava com apenas 20% a capacidade pulmonar, foi definido por ela mesma como “a última porta” para os menos assistidos.

Em 1980, ela recebeu a visita do papa João Paulo II, interessado em conhecer sua obra social. Irmã Dulce morreu no dia 13 de março de 1992, aos 77 anos, no Convento Santo Antônio, ao lado de seus doentes. Ainda hoje, as Obras Sociais Irmã Dulce formam um dos maiores complexos de saúde do país, atendendo 3,5 milhões de pessoas por ano.

Em 2003, dez médicos brasileiros e três italianos relataram um “caso extraordinário de cura”, milagre que foi reconhecido por unanimidade pela Congregação das Causas dos Santos. O fato aconteceu em janeiro de 2001, quando Claudia Santos de Araújo, de Sergipe, devota da freira, recuperou-se de um coma pós-parto, decorrente de intensa hemorragia, depois de ter sido desenganada pelos médicos, que lhe deram apenas algumas horas de vida.

Na mesma audiência em que tornou santa Irmã Dulce, o papa também reconheceu, por decreto, as virtudes “heroicas” do religioso Salvador Pinzetta (nome de batismo, Hermínio Pinzetta), tornando-o venerável da Igreja. O religioso da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, nasceu em Casca, no Rio Grande do Sul, em 27 de julho de 1911, e faleceu em Flores da Cunha, no mesmo Estado, em 31 de maio de 1972.

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