PCC usa doleiros e já fatura mais de R$400 milhões

Documentos apreendidos após a morte de líder mostram a expansão dos negócios da facção no Brasil e no mundo

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Por Marcelo Godoy
4 min de leitura

A morte do líder do Primeiro Comando da Capital (PCC) Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, desencadeou uma investigação que descobriu novos segredos da maior facção criminosa do País. Documentos encontrados pela polícia revelaram parte da estrutura montada pelos líderes do PCC para o tráfico internacional de drogas, a lista de seus integrantes em cada região de São Paulo, nos Estados e em cinco países da América do Sul - Colômbia, Paraguai, Bolívia, Peru e Guiana. A inteligência policial tem provas da evolução das rendas do grupo e sua ligação com o primeiro cartel de drogas chefiado por um brasileiro: Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho.

Os negócios particulares dos líderes e da própria facção têm um faturamento estimado pela inteligência policial em, no mínimo, R$ 400 milhões por ano. Alguns policiais acreditam que esse número pode chegar a cerca de R$ 800 milhões, o que colocaria o PCC entre as 500 maiores empresas do País. Seu tamanho dependeria da quantidade de drogas que o cartel liderado por Fuminho e os líderes do PCC conseguem exportar nos Portos de Santos, Itajaí, Rio e Fortaleza. Estimativas conservadoras fixam em 1 tonelada por mês, enquanto analistas policiais consideram que esse número corresponde apenas ao movimento de uma semana.

Gegê do Mangue, maior liderança solta do PCC, foi morto no CE Foto: SAP/Divulgação

Entre as descobertas feitas pela inteligência policial estão remessas da facção para um doleiro da capital paulista. Em 9 de dezembro de 2017, um dos grupos responsáveis pelo tráfico internacional de drogas entregou R$ 1.464.118 ao doleiro. Em 16 de dezembro, foram enviados mais R$ 1.522.374 e no dia 21, R$ 1.105.651. Em duas semanas, a soma chega a mais de R$ 4 milhões. A contabilidade mostra que em uma única vez, em dezembro de 2017, o bando gastou R$ 2,5 mil para comprar malas para entregar o dinheiro.

As remessas continuaram em janeiro deste ano. Segundo as investigações, a facção entregava reais ao doleiro e recebia dólares, por meio do sistema dólar cabo, na Bolívia e no Paraguai, para pagar a produção das drogas - cocaína e maconha. O sistema de lavagem da facção inclui ainda a compra de postos de gasolina (200 deles estão nas mãos de laranjas que trabalham para um bandido conhecido como Flavinho).

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Esta não foi a primeira vez que a polícia descobriu um esquema de lavagem de dinheiro da facção. Para o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, o PCC ainda é uma organização de tipo pré-mafiosa, pois lhe falta conhecimento para fazer a lavagem de dinheiro. Essa seria a última barreira que separa o grupo das demais máfias pelo mundo. "Muitas das operações da facção são feitas em dinheiro vivo, guardado em lugares seguros", diz.

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Em 2014, a polícia detectou um esquema que envolvia uma transportadora de cargas fantasma que movimentou R$ 100 milhões por meio de duas corretoras de valores, que enviavam o dinheiro do crime organizado para a China e para os Estados Unidos. As contas da transportadora eram movimentadas pela internet. Essa tarefa era executada por meio de sete IPs com base no Paraguai.

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Mortos

Foi no apartamento de José Adinaldo Moura, o Nado, no Tatuapé, zona leste de São Paulo, que o Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) encontrou os papéis. Nado era o braço direito de Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro. Os dois eram acusados de participar no Ceará do assassinato de Gegê do Mangue em fevereiro e acabaram mortos pela facção a mando da cúpula.

Nado morava em um apartamento de cobertura e teria sido executado um dia antes do assassinato de Cabelo Duro, em 22 de fevereiro. No dia 15 de maio, a polícia achou um corpo que seria de Nado. Ele estava enterrado de ponta-cabeça e amarrado em um terreno na região de Americanópolis, zona sul da capital.

Nado e Cabelo Duro trabalhariam para Fuminho, que era apontado como sócio do líder do PCC, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola. Gegê do Mangue, que havia saído da cadeia em 2017, teria descoberto que eles usavam a logística montada pelo PCC para traficar drogas sem pagar à facção.

Gegê começou a cobrar um pedágio de Fuminho e usou o dinheiro para comprar imóveis no Ceará, em vez de entregá-lo para o caixa do grupo. Ao descobrirem o desvio, Gegê teve o destino selado. Fuminho mandou assassiná-lo. A cúpula reagiu e decidiu matar os envolvidos na execução. Só depois de Fuminho apresentar as provas de que Gegê estava roubando o grupo é que a cúpula decidiu perdoá-lo. Os pontos de varejo de drogas dominados por ele em São Paulo - região da Avenida Presidente Wilson e na Favela de Heliópolis -, que haviam sido tomados pela facção, foram devolvidos recentemente pelo PCC.

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Sucesso

O sucesso de Fuminho no tráfico atraiu outros bandidos para a atividade. "Grupos de ladrões de carga, de carro-forte e de banco passaram a se juntar para investir no tráfico internacional de drogas", disse o delegado Ruy Ferraz Fontes, diretor do Denarc. Para conseguir grandes quantidades da droga e enviá-la para a Europa - os Estados Unidos são um mercado cativo dos cartéis mexicanos -, os bandidos aproveitam a logística do PCC. Os ladrões se unem em grupos e compram a cocaína para montar um carregamento e embarcá-la em contêiner. Esse movimento começou a tirar o espaço no Brasil da máfia nigeriana no tráfico.

Em 18 de abril, policiais civis que vigiavam o galpão no Guarujá surpreenderam uma dessas partidas. A droga chegou em picape S-10. Uma hora depois, o portão se abriu e saíram a picape, um Fiorino e um caminhão que transportaria um contêiner. Quando o grupo foi abordado pelos policiais, a escolta do caminhão reagiu a tiros de fuzil, ferindo um investigador. Sete acusados foram presos e 213 quilos de cocaína apreendidos - outros três bandidos fugiram, deixando para trás um fuzil e uma pistola calibre 45.

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